Morreu Manuel Costa Braz, militar de Abril. “Nunca ocupou lugares de ribalta, mas foi essencial”, diz Marcelo

Foi um dos raros tenentes-coronéis de Abril numa revolução feita por capitães. Ajudou a escrever o programa do MFA, inventou o nome da “junta de salvação nacional” e pagou o recenseamento com o dinheiro do saco azul da PIDE.

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Carlos Lopes/Arquivo

O coronel Manuel Costa Braz, militar de Abril e primeiro provedor de Justiça, morreu nesta terça-feira em Lisboa, no Hospital da Luz. Tinha 85 anos.

Nascido em 1934, na Golegã, Costa Braz foi um dos organizadores do movimento militar que originou o 25 de Abril, ocupou-se do recenseamento eleitoral que permitiria aos portugueses votar livremente pela primeira vez e foi o grande organizador das primeiras eleições livres.

O coronel foi o primeiro grande ministro da Administração Interna do pós-25 de Abril. Foi também o primeiro provedor de Justiça, em 1975, e o alto-comissário da Alta Autoridade Contra a Corrupção, que existiu entre 1983 e 1993.

Em declarações ao PÚBLICO, o Presidente da República elogia “a verticalidade do carácter, a frontalidade da sua maneira de ser, a preocupação com o cumprimento estrito dos deveres militares e um sentido cívico ilimitado que foi essencial nas funções que desempenhou na Administração Interna, garantindo a lisura das eleições numa democracia a dar os primeiros passos e depois na representação dos cidadãos e no combate à corrupção”.

O Presidente da República diz que o antigo comissário da Alta Autoridade contra a Corrupção era “de uma integridade excepcional" e “dedicou-se à causa pública, com humildade e devoção”. “Nunca ocupou lugares de ribalta e, no entanto, foi essencial em momentos decisivos do processo de institucionalização da nossa democracia. Presto-lhe homenagem em nome de todos os portugueses”, conclui o chefe de Estado em depoimento ao PÚBLICO.

Do esboço do programa do MFA ao Governo

Manuel da Costa Brás era mais velho que os capitães. Já era tenente-coronel. Mas foi um dos raros tenentes-coronéis de Abril: foi na sua casa que se começou a escrever o esboço daquilo que viria a ser o programa do Movimento das Forças Armadas, cuja redacção final seria depois entregue a Melo Antunes.

“Costa Braz esteve no início do Movimento das Forças Armadas, numa reunião, a 5 de Fevereiro de 1974, em casa do coronel Marinheiro Marcos, na qual é redigido o primeiro documento político. Participa com Melo Antunes, Sousa e Castro e José Maria Moreira de Azevedo na redacção de O MFA e a Nação Portuguesa”, que é aprovado em 5 de Março de 1976, num encontro em Cascais”, diz ao PÚBLICO Vasco Lourenço, também militar de Abril.

Em entrevista ao Expresso há três anos, o próprio Manuel Costa Brás conta como chegou à conspiração e como foi ele que se lembrou de chamar ao primeiro órgão político da revolução “Junta de Salvação Nacional”: “No início de 1974 fui sendo aliciado pelo Osório e pelo Vítor para o Movimento dos Capitães e convidaram-me para ir a uma reunião nos Olivais. Como eu e o Melo Antunes criticámos bastante o documento lido nessa reunião, a ‘mesa’ incumbiu-nos de o reescrever, em conjunto com o autor (o José Maria Azevedo) e o Sousa e Castro. Seguiram-se umas três reuniões desse grupo em minha casa. Da fusão do meu texto com o do Melo Antunes nasceu o conhecido ‘documento de Cascais’, que, no meu entender (e não só), é o marco de viragem do aspecto corporativo para o político. Fiz ainda parte de um grupo chamado de ‘​político’, que participou na elaboração do programa do Movimento das Forças Armadas. Esteve previsto que o principal órgão de poder saído do golpe se chamasse directório militar ou comité. Eram expressões associáveis à Revolução Francesa ou à Soviética e sugeri que se mudasse para Junta de Salvação Nacional, para dramatizar e congregar vontades.”

Costa Brás foi ministro da Administração Interna e organizou o processo eleitoral para as primeiras eleições para a Assembleia Constituinte. Recorda na sua última entrevista como o recenseamento foi pago: “Sabe como é que o recenseamento foi pago? Com o dinheiro que eu tinha no cofre, da comissão de extinção da PIDE/DGS... Havia um saco azul no gabinete, que vinha do antecedente e ficou um bocado mais cheio quando recebeu uma verba vinda da comissão de extinção. A utilização desse dinheiro era discricionária: tanto podia ir para a minha conta bancária como para fins mais decentes.”

É o primeiro grande ministro da Administração Interna do pós-25 de Abril. Continua no MAI no primeiro governo de Mário Soares e volta à mesma pasta no V Governo Constitucional de Maria de Lourdes Pintasilgo, em 1979/80, período em que foi organizado o processo para as eleições autárquicas e para as legislativas de 1979.

O coronel Rodrigo Sousa e Castro, que integrou a Comissão Coordenadora do MFA, na clandestinidade, lembra-se bem das reuniões em casa daquele que foi seu instrutor na Escola Prática de Artilharia. Quando Sousa Castro chegou já Costa Brás era director de tirocínio: “Um homem de quem todos nós gostávamos. Muito rigoroso, muito disciplinado, que suscitava respeito e simpatia.”

“Depois, tive a sorte de conviver com ele na conspiração. Entre nós havia uma diferença de idades, ele era mais velho, mas aceita perfeitamente integrar-se na equipa de capitães com sangue na guelra”, recorda Sousa Castro. O coronel lembra também a passagem de Costa Brás pelo primeiro cargo que em Portugal foi criado para combater a corrupção – a Alta Autoridade contra a Corrupção, criada em 1983 e extinta em 1992. “A sua acção foi muito boicotada, ele não tinha meios.” É desmoralizado que Costa Brás deixa a Alta Autoridade contra a Corrupção, a primeira tentativa da democracia de combater um fenómeno que já na altura preocupava os governantes.

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