Plano Nacional das Artes Simplex

Sim, já existem visitas de estudo a museus e teatros. Sim, há muito que as escolas acolhem artistas. Até há, imagine-se, artistas que dão aulas de artes. E também existe formação superior nas várias arte

Tenho visto muitos defensores da Educação Artística festejar o Plano Nacional das Artes (PNA), apresentado recentemente pelos ministérios da Educação e da Cultura. Perdoem-me o cepticismo, mas antes de abrir o champanhe, devíamos (re)ler este excerto do Decreto-Lei n.º 344/90, que estipula as Bases Gerais da Educação Artística: “A sua resolução passa pela reestruturação global e completa de todo o sistema, iniciando-se por aí a construção gradual de um novo sistema articulado, que contemplará todas as modalidades consideradas neste domínio, a saber: música, dança, teatro, cinema, audiovisual e artes plásticas.”

Quase 30 anos depois deste DL, está praticamente tudo por fazer. No 1.º ciclo a Educação Artística tem quatro áreas obrigatórias (Artes Visuais, Expressão Dramática/Teatro, Dança e Música), no 2.º ciclo tem apenas duas (Educação Visual e Educação Musical) e, no 3.º ciclo, apenas uma (Educação Visual).

No 2.º e no 3.º ciclo, as escolas podem criar outras disciplinas artísticas, mas “privilegiando os recursos humanos disponíveis”. Tal limitação, em áreas como o Teatro ou a Dança, que não têm grupo de recrutamento nem professores no quadro, leva uma boa parte das escolas a não abrir estas disciplinas e outras a atribuir os horários a “curiosos” sem formação, apesar de, só em Teatro, existirem 21 licenciaturas.

No ensino secundário foi recentemente criada a opção de Teatro, mas limitada ao 12.º ano (a extinta Oficina de Expressão Dramática existia nos três anos deste ciclo de ensino), sem que saibamos em que moldes funcionará. Também há disciplinas ligadas a esta área em cursos profissionais e em cursos do Ensino Artístico Especializado.

Curiosa e ironicamente, em matéria de Teatro na Escola, o Ministério da Educação pinta um cenário pior do que a realidade. Leia-se o Ofício n.º 595/2019, assinado pela chefe de gabinete do ministro da Educação, que diz ter havido, em 2018/19, apenas oito pedidos de horários para a “disciplina” de Teatro. Tal afirmação, mais absurda que o teatro de Ionesco, apenas confirma o desconhecimento da realidade por parte de quem vive em gabinetes.

Não há assim tão poucos professores de Teatro nas escolas. Devia haver mais, mas não há assim tão poucos. A tutela é que não lhes reconhece a existência nem a formação, não sabe que disciplinas leccionam nem que trabalhos desenvolvem, não os integra na carreira docente e nada fez para combater o recurso abusivo à contratação anual sucessiva.

Se quisesse mesmo um Plano Nacional das Artes, o Ministério da Educação teria convidado os professores das áreas artísticas a apresentar sugestões. Mas não o fez. O único contacto feito à Associação de Professores de Teatro-Educação foi um convite para assistir à apresentação do PNA, através de um e-mail enviado na véspera, com a data errada (talvez faça falta um PNEE – Plano Nacional para Enviar E-mails). Mas ainda bem que não estivemos presentes no evento, pois falta-nos paciência para apresentações de “novidades” que já existem.

Sim, já existem visitas de estudo a museus e teatros. Sim, há muito que as escolas acolhem artistas. Até há, imagine-se, artistas que dão aulas de artes. E também existe formação superior nas várias artes, que o Ministério da Educação deveria respeitar e que nenhuma Academia PNA poderá substituir.

Querem um PNA? Fomentem a existência de diferentes expressões artísticas nas escolas, dêem-lhes a mesma importância que têm as outras áreas disciplinares, dotem as escolas das condições necessárias, respeitem os professores das artes e integrem-nos na carreira docente – a Petição Nº 598/XIII/4ª, em análise na Assembleia da República, constitui uma oportunidade para resolver o assunto. Quando isto estiver feito, estarão – aí, sim – lançadas as bases para um Plano Nacional das Artes.

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