Maratona para nomeação de cargos na UE adiada após 18 horas de negociações

Numa revolta inédita contra a autoridade da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, os membros do PPE bloquearam o “pacto” acertado em Osaka.

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Reuters/FRANCOIS LENOIR

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, acaba de anunciar a suspensão dos trabalhos da cimeira extraordinária para a selecção dos dirigentes das instituições europeias, depois de mais de 18 horas de negociações contínuas que não produziram ainda um resultado.

Os 28 chefes de Estado e de Governo da UE regressam ao conselho na terça-feira, às 11h (hora em Bruxelas, 10h em Portugal continental), para retomarem a discussão. O Parlamento Europeu marcou para dia 2 de Julho a sessão inaugural da nova legislatura, que inclui a tomada de posse dos novos eurodeputados eleitos em Maio. Na quarta-feira avançam com a votação para a escolha do seu presidente e vice-presidente.

Visivelmente cansados, alguns líderes não esconderam a sua desilusão pelo prolongamento do impasse. Para o Presidente de França, Emmanuel Macron, o “falhanço” em fechar o processo depois de 18 horas de negociações é “o resultado das divisões do bloco político europeu”.

“Terminamos esta jornada com aquilo que poderão chamar um fracasso, porque não foi alcançado um compromisso. Penso que é uma péssima imagem que damos tanto do Conselho como da União Europeia. Ninguém pode estar satisfeito com o que se passou durante tantas horas, e penso que este desfecho levanta problemas extremamente profundos. A nossa credibilidade foi profundamente abalada com esta reunião demasiado longa que não conduziu a lado nenhum”, criticou o líder francês, que não poupou o presidente do Conselho, Donald Tusk.

Igualmente desiludido, o primeiro-ministro português, António Costa, classificou o resultado do encontro como “muito frustrante”. “Tudo correu mal”, lamentou o primeiro-ministro, que reservou palavras duras para as forças políticas e os membros do Conselho que sucessivamente rejeitaram as propostas e “os acordos que sucessivamente foram estabelecidos”. Resultado: os trabalhos vão ser retomados sem qualquer plano em cima da mesa. “Qual plano? Neste momento não há plano nenhum porque todas as soluções propostas não têm encontrado qualquer maioria”, admitiu.

Quando os trabalhos foram interrompidos, havia um rascunho a circular para a distribuição dos cargos de topo pelas três maiores famílias políticas europeias que não se desviava muito da solução de compromisso fechada à margem da cimeira do G20, no Japão, pela  chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e os negociadores dos socialistas e liberais, Pedro Sanchéz e Mark Rutte, respectivamente. 

Esse “acordo de Osaka”, como passou a ser designado, mereceu feroz oposição dos aliados de Merkel dentro do Partido Popular Europeu, que entraram a matar contra a proposta, que passava por uma mudança da presidência da Comissão Europeia das mãos do centro-direita para o centro-esquerda. Mas não só. Uma vez que previa a nomeação do cabeça-de-lista (Spitzenkandidat) apresentado pelos socialistas, Frans Timmermans, a proposta contava também com a oposição dos líderes do chamado grupo de Visegrado — Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia.

Porém, e depois de horas e horas de consultas, reuniões bilaterais e multilaterais, a facção Merkel-Macron-socialistas-liberais parecia ter sido capaz de ultrapassar as resistências dos democratas-cristãos, que estariam resignados a perder a liderança da Comissão, depois de quase 15 anos. Uma possível maioria de apoio à sua indicação parecia ter-se formado ao início da manhã, mas quando a cimeira foi suspensa, os países do Leste no PPE (Croácia, Letónia, Hungria e Roménia) permaneciam entrincheirados na sua posição de bloqueio e não aceitavam de maneira nenhuma um voto em Timmermans.

As fracturas não auspiciavam um desfecho simples para o processo, mas ainda assim a chanceler da Alemanha acredita que na terça-feira será possível chegar ao consenso. Merkel não se alongou em comentários sobre a postura dos seus aliados, que foi entendida por todos como um desafio inesperado à autoridade política da chanceler. Menos diplomático, Macron saiu em sua defesa, saudando publicamente “o trabalho que a chanceler desenvolveu ao longo da noite”, informando que Merkel fez tudo o que podia para “convencer a sua família política a fechar um acordo”. 

“Houve infelizmente algumas forças que se deixaram capturar por aqueles que querem dividir a Europa, a partir do grupo de Visegrado, e do senhor Salvini”, completou António Costa, que nitidamente não gostou de ver Merkel ser posta em causa pela sua própria família política. “Há membros do Conselho que insistem em ser contra os Spitzenkandidaten — uns porque estão contra o processo e outros porque estão contra as pessoas. Nem sempre é fácil discernir qual é a verdadeira motivação por detrás das posições, e assim é difícil encontrar o ponto de equilíbrio necessário”, considerou.

Antes de partir de regresso a Paris, o Presidente francês saudou o espírito de boa colaboração com que se desenrolaram as negociações com os socialistas e os liberais. “É claro que este falhanço está relacionado com as divisões políticas no seio do PPE, em alguns casos motivadas por ambições pessoais que não deveriam estar sobre a mesa”, atacou, lamentando que alguns líderes tenham dado o dito por não dito, “discordando do que foi previamente acordado”.

Ao mesmo tempo que se opunham, os conservadores não prescindiam de manter um dos seus à frente do Conselho Europeu, e na hipótese que circulou até à suspensão dos trabalhos até já havia alguns nomes para o cargo, com a búlgara Kristalina Georgieva, antiga comissária europeia do Orçamento, ex-candidata a secretária-geral da ONU e actual presidente executiva do Banco Mundial a surgir como a mais provável. No entanto, e uma vez que os líderes se comprometeram a escolher para a presidência do Conselho um primeiro-ministro europeu, a sua nomeação ficou comprometida — o primeiro-ministro búlgaro, Boiko Borisov, confirmou que “o nome de Georgieva está fora da corrida”.

A chave de distribuição que estava em consideração apontava ainda para uma repartição do cargo de presidente do Parlamento Europeu pelos democratas-cristãos (provavelmente o seu cabeça-de-lista e líder da bancada parlamentar, Manfred Weber, avançaria para o lugar) e pelos liberais, com o veterano Guy Verhofstadt perto de cumprir o seu desejo de dirigir o plenário europeu.

Os liberais assegurariam também a condução da política externa da UE, tendo sido apontado o nome do belga Charles Michel e da dinamarquesa Margrethe Vestager para o cargo de Alto Representante para a Segurança e Política Externa.

Mas se se falava num acordo de princípio nestes termos, também se admitia que este sofresse alterações, com acertos de nomes ou mesmo outras combinações possíveis para a ocupação dos lugares pelas diferentes famílias políticas. Quando o primeiro rascunho foi divulgado, logo se notou que não estavam cumpridos os objectivos de igualdade de género e de equilíbrio demográfico e regional. O quebra-cabeças está ainda mais difícil de resolver esta terça-feira.

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