Histórias do lar mais famoso do país deram um livro que também é uma despedida

A dupla que conseguiu colocar o Centro Comunitário da Gafanha do Carmo nas bocas do país (e do mundo) está de saída. Antes do adeus, ainda lançam um livro inspirado nos idosos com quem têm trabalhado.

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Adriano Miranda
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Maria Vida é das utentes que está há menos tempo no Centro Comunitário da Gafanha do Carmo mas é a mais peremptória a dar nota da sua preocupação em relação ao futuro. “A minha saúde melhorou muito com a animação deles aqui no lar”, afiança. Eles são Ângelo Valente e Sofia Nunes, o animador sociocultural e a gerontóloga que fizeram do lar da Gafanha do Carmo, no município de Ílhavo, um verdadeiro fenómeno de popularidade. De tal forma que será difícil encontrar alguém que ainda não tenha ouvido falar dos seus projectos ou paródias. Um dos últimos colocou Maria Vida sob as luzes da ribalta – coube-lhe a ela fazer de Conan Osiris, num vídeo que se tornou viral -, na certeza de que não é o medo de perder o acesso ao “estrelato” que a inquieta. “Se for para ficar triste, fico em casa”, repara, numa altura em que a saída de Ângelo e Sofia do lar já tem data e hora marcada.

A dupla decidiu abraçar um novo projecto profissional - numa empresa que desenvolve tecnologias para a interacção e a integração dos seniores -, após quase nove anos de trabalho no Centro Comunitário da Gafanha do Carmo. Vão mas deixam um livro, preenchido com as melhores histórias que por ali viveram, com os utentes do lar e com o Vadio e a Viana, “os melhores cães do mundo”. São 176 páginas repletas de memórias, imagens e mensagens. “Antes de morrer quero” é lançado no dia 3 de Julho, pelas 21h00, na Costa Nova (Cais Criativo), e pretende ser uma celebração da saída de Ângelo e Sofia.

“É o epílogo da nossa presença aqui no lar”, reparam, não obstante reconhecerem que, quando surgiu o convite da Cultura Editora, em Dezembro de 2017, o cenário de saída ainda não estava em cima da mesa. Para passar o que de melhor ali viveram para um livro, Ângelo e Sofia chamaram um reforço, mais concretamente Maria Inês Santos, editora de conteúdos do projecto cultural ilhavense 23 Milhas. “Foi ela que teve o talento de transformar 66 horas de gravação num livro que está exactamente como nós queríamos que estivesse”, destaca Ângelo Valente.

O título do livro coincide com um dos projectos mais impactantes do lar. Através da sua página de Facebook, o Centro Comunitário da Gafanha do Carmo deu a conhecer os desejos que alguns dos seus utentes gostavam de realizar antes de morrer - conhecer o Marco Paulo, pintar o cabelo de azul, cantar em público, andar de avião, visitar a Figueira da Foz, foram alguns dos sonhos apontados. E não tardou a aparecer quem se prontificasse a ajudar a concretizar desejos. “A envolvência que se conseguiu criar com esse projecto foi extraordinária”, avaliam, a propósito do “Antes de morrer quero...”.

A ligação vai ficar para sempre

Sofia e Ângelo garantem que irão continuar ligados aos utentes do lar ao qual que foram sentido, durante quase nove anos, como a sua “casa”. “Sempre fomos muito felizes aqui”, assegura a gerontóloga, explicando que a saída se fica a dever à necessidade que sentiram de “abraçar novos desafios”. “E a verdade é que, apesar de ficarem tristes com a nossa saída, os utentes ficam felizes por nós, porque sentem que a nossa vida vai ser melhor”, explicam.

Para a dupla que colocou dezenas de idosos a parodiar Miley Cirus, Cristiano Ronaldo e o Presidente da República, entre outros, nada leva a crer que a dinâmica que conseguiram criar naquele lar se perca. “Porque estes utentes são fantásticos, boas pessoas, e eles é que são a matéria-prima”, antevê Ângelo Valente, que, ainda assim, manifesta o desejo de poderem participar no processo de passagem de testemunho a quem vier a ocupar os seus lugares.

A direcção do lar diz estar empenhada em que a transição se faça de forma tranquila, assegurando que “o lema continuará a ser o de sempre: multiplicar a felicidade, dividindo-a”, nota Amândio Costa, presidente da instituição. E ainda que considere que “o Ângelo e a Sofia são uma marca impossível de apagar”, o dirigente repara que “há toda uma equipa que trata dos utentes e contribui para eles se sintam felizes”. Ainda assim, a pergunta é inevitável: Vamos continuar a ouvir falar do Centro Comunitário da Gafanha do Carmo? “Claro que sim. Esta dinâmica não se vai perder”, afiança o director da instituição de alberga 32 utentes no lar e mais 22 no centro de dia.

João Fernando, um dos utentes mais assíduos dos projectos e paródias do lar, também quer acreditar que a alegria vai continuar a reinar naquela casa. “O tempo vai preencher tudo, pouco a pouco”, declara, não obstante a “pena” que sente por ver Ângelo e Sofia saírem. Uma espécie de resignação, talvez, partilhada por Ermelinda Caçador, outra das caras mais conhecidas dos fãs do lar. “Eles mudaram a minha vida. Nunca na minha vida tinha passeado tanto, nunca tinha vivido com toda esta animação”, testemunha.

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