Francisco, el Hombre: uma viagem pela América Latina

A segunda noite do Festival Med pertenceu-lhes. Os brasileiros Mateo e Rafael contam de que é feita esta viagem que agora começa a chegar a Portugal.

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Os Francisco, el Hombre deram um concerto arrasador na segunda noite do Festival Med Alexandre Serôdio

Formados em 2013 em Campinas, no estado de São Paulo, os Francisco, el Hombre partiram de uma vontade concreta dos irmãos Sebastian e Mateo Piracés-Ugarte, nascidos no México mas naturalizados brasileiros há mais de uma década. E essa vontade, partilhada com Juliana Strassacapa, Andrei Martinez Kozyreff e Rafael Gomes, mais do que musical, era “uma vontade de viajar”. É isso que Mateo (voz e violão) e Rafael (baixo) contam ao PÚBLICO antes da arrasadora actuação do grupo na segunda noite do Festival Med, em Loulé. “Juntámo-nos os cinco querendo viajar pela América Latina e começámos a criar um reportório de músicas nossas enquanto tocávamos na rua, criando uma agenda de shows do Brasil até ao Chile.”

De início, portanto, enfiados num carro onde mal cabiam eles, os instrumentos e os pouco pertences que levavam para a estrada, tocavam para pagar a noite num hostel ou para financiar a refeição seguinte. E devido a essa necessidade imperativa de se fazerem notar para atraírem alguma generosidade, esta natureza de banda de rua foi-se sintonizando também numa ideia de espectáculo participativo que queria parar quem passava e cativar o suficiente para venderem discos ou recolherem um donativo. “Pouco a pouco”, lembra Mateo, “a gente foi formando um espectáculo, o público foi crescendo e começámos a subir da rua para os palcos. Virou banda, virou carreira”.

Enquanto levavam incansavelmente, uma e outra vez, a sua música em digressões pela América Latina, foram-se deixando contaminar pelas várias paragens. “A estrada é absorver”, justifica Mateo. “E quando a gente vai tocar para o Nordeste do Brasil, volta outra pessoa; o mesmo acontece quando vamos tocar nos botecos de trova do Chile. Pouco a pouco, mais do que cantar sobre isso, acabámos sendo essa viagem latino-americana.” A ideia de trânsito entre várias povoações alimentada pela partilha das suas canções justificaria também, inevitavelmente, o nome da banda: Francisco, el Homem inspira-se numa “personagem do folclore colombiano que ligava cidades através da música”, que a banda descobriu adaptada nas páginas de Cem Anos de Solidão, romance de Gabriel García Márquez.

Com essa natureza latino-americana de tal forma impressa na sua música, para o segundo álbum do grupo, Rasgacabeza, editado em 2019, quiseram dispensar as temáticas mais directamente ligadas à região, “sem necessitar de cantar pela pan-América ou pelo bolivarianismo”, antes se inspirando na pressão das metrópoles do continente e nessa característica comum que é “o negócio de se jogar, do swing, de falar e olhar no olho, de se entregar”. Tudo isto inunda o conteúdo musical de Rasgacabeza, deslocando o discurso do tom mais politizado da estreia, Soltasbruxa (2016), para “coisas que afectam a gente no dia-a-dia num campo um pouco mais íntimo”. E é assim que encontramos um Parafuso solto que se debruça sobre formas de lidar com a depressão ou um O tempo é sua morada que aborda o luto a partir da experiência do grupo no México. Apeadeiros menos óbvios para esta viagem que agora começa a chegar e a conquistar Portugal.

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