Crentes de mais de 40 países a “falar a mesma língua” num estádio cheio

Entraram ordeiramente e ocuparam 60 mil lugares do Estádio da Luz. Acreditam que a sua crença os torna melhores pessoas. O Congresso Internacional das Testemunhas de Jeová começou esta sexta-feira.

Não cantam o hino nacional, mas nesta sexta-feira, 60 mil Testemunhas de Jeovás entoaram cânticos no Estádio da Luz, em Lisboa, num congresso internacional que decorrerá até domingo. A audiência esteve vestida a preceito. Há quem tenha ido de fato, mas também quem decida levar o traje típico da sua região, seja o madeirense ou até o sombrero.

Os cânticos, leituras bíblicas e discursos fazem parte da programação do evento, e a mensagem é levada a sério: praticamente toda a audiência faz apontamentos, acompanhando os discursos na Bíblia, esteja ela em suporte papel ou digital. Por existirem pessoas de vários países – os números oficiais referem que os delegados do evento representam 46 nacionalidades – existem traduções em inglês e espanhol, para além de vários ecrãs com transmissão em língua gestual. Só este ano, irão realizar-se 24 destes congressos, em 22 cidades mundiais.

Apesar das várias nacionalidades, todos os crentes entrevistados pelo PÚBLICO asseguraram que, ali, “todos falam a mesma língua”: “Aqui está o amor. Estamos num sítio onde todos falamos a mesma língua, acreditamos no mesmo Deus”, assegura Jacinto Pascoal, testemunha de Jeová há mais de 30 anos.

Débora Paulino, de 29 anos, explica que, mesmo não conhecendo alguns presentes, “quando nos encontramos é como se nos conhecêssemos desde sempre. Os abraços, os beijos… o amor que existe é fenomenal”. Já Samuel Anacleto, testemunha de Jeová há 22 anos e servo ministerial, define o congresso como “um ponto alto das nossas vidas, porque acima de tudo, traz louvor ao Criador”.

“Um sonho tornado realidade” para alguns

Apesar da alegria expressa por todos os entrevistados, Pedro Candeias, porta-voz nacional das Testemunhas de Jeová, relembra com comoção os tempos em que esta religião era proibida em Portugal, durante o Estado Novo. Para ele, este evento “é um sonho tornado realidade”.

“Parecia difícil. Quando a polícia batia à porta durante as reuniões, estávamos preparados para esconder as coisas e fingir que estávamos em família, a tomar qualquer coisa. Hoje, viver em liberdade, é uma bênção tão grande… valorizamo-la imenso”, confessa.

Mas se esta é a realidade actual em Portugal, o mesmo não acontece noutros países. Antonia Marysheva, de 31 anos, mudou-se com a família para Portugal há um ano, devido à repressão política russa de Testemunhas de Jeová. Por ainda não dominar a língua portuguesa, afirma que lhe é difícil explicar o que significou para ela tornar-se Testemunha de Jeová: “Gosto da Bíblia, torna-me numa pessoa melhor”, acaba por concluir.

Não escondem sofrer preconceito por parte de outras pessoas. No entanto, para Juliana Bernardo, testemunha desde os 13 anos, trata-se de uma gestão de prioridades: “Quando sabemos aquilo que queremos ser, aprendemos a defender-nos”, garante.

Já para Samuel Anacleto “o preconceito vai na cabeça das pessoas que a praticam, não da vítima. Quem deve mudar a mentalidade não é quem é atingido pelo preconceito, a sociedade é que deve lidar com a sua forma de estar”.

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Um povo ordeiro

Apesar de José Catarino, porta-voz do congresso, não ter revelado os custos da organização do evento – que é de entrada gratuita e não realiza colectas –, explicou que “todas as despesas são suportadas por donativos voluntários”.

Também houve um grupo de voluntários responsáveis pela limpeza do estádio, ainda antes do evento. Carlos Cardoso, assistente de porta-voz, chama a atenção para o relvado do estádio, que apesar da montagem dos vários palcos do evento “continua intacto”, mas também para a ausência de elementos polícias dentro do estádio: “Não precisamos, somos pessoas pacíficas”, diz com um sorriso.

De acordo com o comando metropolitano de Lisboa da PSP foi criado “um perímetro de segurança no complexo”, com “controlo de bilhética e revista”. Estiveram envolvidos o efectivo da 3.ª Divisão, Divisão de Trânsito, Divisão de Segurança a Transportes Públicos, Equipas de Intervenção Rápida e Investigação Criminal.

Quem são e em que acreditam

As Testemunhas de Jeová não celebram datas de aniversário ou o Natal, por não serem referidos na Bíblia. Não assumem cargos políticos, não votam e também não cantam o hino nacional, uma vez que não tomam parte de nenhum partido político. Para além disso, não recebem transfusões de sangue.

“Qualquer assunto, se está de acordo com a Bíblia, excelente. Se não estiver, nós temos o direito de seguir a nossa consciência de acordo com o que aprendemos da Bíblia” explica o porta-voz nacional.

Nesta religião, só através do baptismo é que se passa a ser Testemunha de Jeová – até essa altura, os crentes fazem estudos bíblicos. Durante o congresso, no sábado, serão baptizadas 450 pessoas, em quatro piscinas de plástico, uma decisão que todos garantem ser “esclarecida e informada”.

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“Não baptizamos bebés. Jesus não foi baptizado em bebé. Quando as pessoas tomam a decisão de se tornar testemunhas de jeová fazem-no de forma livre e esclarecida. Prezamos muito isso”, garante Pedro Candeias.

No entanto, há quem acabe por abandonar esta religião, tornando-se ‘desassociada’. Apesar da doutrina desaconselhar o contacto como estes “apóstatas”, José Catarino, porta-voz do congresso, assegura que “cada um tem a liberdade de exprimir as suas opiniões”.

“Vivemos num regime democrático. Qualquer pessoa que se torne Testemunha de Jeová fá-lo de livre e espontânea vontade. Se em dado momento da sua vida decidir deixar de o ser, está livre para o fazer”, declara.

Texto editado por Pedro Sales Dias

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