O que é a justiça? Do colo ao deixar cair

Há alunos que é para segurar sim, com ou sem medidas. Mas há alunos que em algum momento devemos deixar cair para se levantarem, lamberem as feridas, recomeçarem mas sem medos de parte a parte.

Falei há pouco tempo com uma psicóloga sobre um rapaz, já com 18 anos, que ambas acompanhamos. A determinada altura na conversa, após os formalismos, quando as conversas começam verdadeiramente a ser honestas, disse-me algo como isto: “Sabe, Joana, acho que os professores atualmente dão muito colo aos miúdos. Há miúdos que precisam de cair para se levantarem por eles, lamberem as feridas e crescer porque a vida é difícil. E quando não o fazemos estamos a transmitir a ideia exatamente contrária ao que deve ser o nosso propósito, prepará-los para as adversidades, faze-los crescer.” Não podia estar mais de acordo.

No final do ano letivo todos passamos pelo mesmo cenário. Dar notas, “cantar” notas (continuo a questionar-me o porquê de perdermos tanto tempo com este momento), subir notas, descer notas, votar notas, medo de dar negativas, justificações, medo dos exames, medo dos pais, medo da Direção. Medo.

Tenho escrito muito sobre Educação e confesso que às vezes fico órfã do que mais escrever porque nada de particularmente novo parece haver por dizer e já há temas e conceitos muito discutidos e “batidos”. O discurso sobre a importância da relação já todos estamos carecas de saber, o do investir no aluno, investir na relação pedagógica, etc. Não que não seja verdade, mas para existir em forma de “estado” há outras relações que precisam de acontecer.

O que ainda não sabemos é fazer um equilíbrio saudável, justo, agregador, naquilo que devemos “dar” e “exigir” aos alunos. Há medos e há chatices e muitos professores estão fartos de serem os carrascos de tudo.

O justo pode ser tão relativo, parafraseando Gorge Mastromas na peça A Matança Ritual de Gorge Mastromas, de Dennis Kelly: “Justo? Justo é Deus, é Alá, é Escorpião com ascendente em Leão.” Justo não é igual para alunos, professores, Ministério da Educação e o diabo a sete. Nada é justo e tudo pode ser justo.

É justo mascarar com medidas alunos ad aeternum para transitarem sob um guarda-chuva até ser possível? É justo que essas medidas não sejam rigorosamente avaliadas, discutidas, aferidas, alteradas? É justo um aluno chegar ao secundário com a ideia de que se sempre passou por que é que não há-de poder continuar a passar? É justo um pai questionar um professor por que raio o seu filho não tem pelo menos um 10 se a nova legislação “O 54” diz que os alunos têm de ter sucesso, mesmo depois de ter sido explicado o que é “O 54” e que existem (e bem) aprendizagens essenciais que devem ser cumpridas? É justo pais fazerem queixa porque o filho teve negativas e colocar em causa a competência e profissionalismo dos professores? É justo professores darem 10 só para não terem de se chatear? É justo não accionar a CPCJ quando os pais não exercem os seus deveres com medo de melindrá-los? É justo um pai difamar um professor e o professor não apresentar queixa e ainda ter de se justificar? Em última instância, sim, tudo parece ser justo.

Todas estas situações que observei ao longo deste ano letivo e que aqui descrevo têm um denominador comum, o medo. É esta cultura do medo que nos tolda o pensamento e em última análise nos faz aceitar todas estas situações como justas, normais. Acatamos como um ato de bondade quando no fundo é cobardia e a Educação não é nem uma coisa nem outra.

Há alunos que é para segurar sim, com ou sem medidas. Mas há alunos que em algum momento devemos deixar cair (um cair às vezes mais ou menos controlado) para se levantarem, lamberem as feridas, recomeçarem mas sem medos de parte a parte. Estranhamente, às vezes, há mais aprendizagem e mais justiça em deixar cair com garra do que segurar sem um futuro.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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