O veto de Marcelo e o voto de Passos… no PCP

O ex-primeiro-ministro chegou a prometer que, se a estratégia orçamental da “geringonça” funcionasse, “passaria a defender o voto no PS, Bloco de Esquerda e PCP”.

Há telefonemas e telefonemas. O telefonema que Marcelo Rebelo de Sousa fez esta semana à procuradora-geral da República e que fez questão de divulgar publicamente não foi apenas dirigido a Lucília Gago. Diria que o destinatário final foi Rui Rio e António Costa. Ficámos a saber que o Presidente da República arrepia-se ao olhar para aquilo que considera ser tentativas de politização do Conselho Superior do Ministério Público, como a proposta empunhada pelo PSD. Muito claramente, Marcelo confessou ser a favor de “um estatuto [dos magistrados do Ministério Público] que lhe permita ter autonomia na plenitude” para combater a corrupção e que, segundo disse, também corresponde “ao sentir da sociedade portuguesa”. O que isto significa? Na prática, o Presidente aproveitou para, na véspera da votação no Parlamento, avisar PS e PSD que vetaria qualquer tentativa de colocar em causa essa independência do Ministério Público. As propostas do Bloco Central, fruto de votações cruzadas, acabaram por chumbar. Não foi preciso assim o murro na mesa presidencial.

2. Rui Rio gosta de dizer que é um político diferente. Pois é. Vejamos o que disse esta semana, enquanto o PSD desce na intenção de voto nas últimas sondagens: “Não sei se tem êxito ou não [a minha forma de fazer política] mas é assim que tem que ser feito” ou “então não falo do quadro macro-económico só para dar votos?”.

Um pouco atabalhoadamente, o líder do PSD insiste em ir em frente no diálogo com o PS quando as portas do PCP e BE se fecham a António Costa (“Não acho que seja uma atitude construtiva” ou “de interesse do país” recusar uma negociação, esforçou-se por explicar), contrariando aquilo que Pedro Passos Coelho defendia. Derrubado por Costa em Novembro de 2015, o ex-primeiro-ministro avisou desde a primeira hora que o PSD não iria estar “na oposição nem para fazer a vida fácil ao Governo, nem para substituir o PCP ou o Bloco quando eles lhe falham” - o que agora veio a suceder na recta final da legislatura (com a Lei de Bases da Saúde, o cadastro florestal, etc).

3. Por último, é interessante assistir ao quase silêncio do PCP e BE perante o excedente orçamental registado no primeiro trimestre do ano. “O excedente prova que é possível investir mais”, limitou-se a comentar Catarina Martins, que esta semana preferiu colocar a ênfase na questão das taxas moderadoras.

Tem graça agora lembrar o que o ex-primeiro-ministro confessou, em entrevista à SIC, em 2016, quando o país já vivia com a “geringonça” há cerca de um ano. Duvidando da estratégia orçamental do PS, o ex-primeiro-ministro garantia que, caso essa estratégia funcionasse, “passaria a defender o voto no PS, Bloco de Esquerda e PCP”. “Se pudéssemos todos, sem dinheiro, devolver salários, pensões e impostos, e no fim as contas batessem todas certo, isso seria fantástico”, afirmava Passos, em véspera de novo congresso do PSD. Lembrei-me desta entrevista por esta ser a semana em que o Governo apresentou um excedente orçamental (já lá vai o momento em que Centeno dizia que “o zero não era o íman"). Claro que Passos pode vir dizer que este Governo fez boa figura em Bruxelas porque sacrificou alguns sectores (o que é verdade) mas a política não é isso mesmo ou Passos ainda quererá vir com a conversa que só havia aquela receita para aplicar nos anos da troika?

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