Mark Rylance abandonou a Royal Shakespeare e a culpa é da crise climática

O actor inglês, um dos mais respeitados do país, anunciou o afastamento da companhia a que esteve ligado 30 anos em protesto contra o acordo de patrocínio que a companhia mantém com a petrolífera BP. “Não quero ser associado à BP, da mesma forma que não gostaria de ser associado a um negociante de armas, um vendedor de tabaco ou alguém que por sua própria vontade destrói as vidas de outros”, escreveu.

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Mark Rylance é um considerado um dos nomes maiores do teatro britânico

Para um jovem actor como era há 30 anos Mark Rylance, integrar a Royal Shakespeare Company era um sonho. Mas agora, quando Rylance é já um dos grandes senhores do teatro inglês, o sonho já lá vai e a presença na Royal Shakespeare Company tornou-se um fardo, um dilema moral. No final da semana passada, chegou então o anúncio. Três décadas depois, Mark Rylance abandona a Royal Shakespeare Company, em protesto pelo acordo de patrocínio que aquela mantém com a petrolífera BP. “Não quero ser associado à BP, da mesma forma que não gostaria de ser associado a um negociante de armas, um vendedor de tabaco ou alguém que por sua própria vontade destrói as vidas de outros, vivos ou por nascer”.

O anúncio de Mark Rylanced, actor, director teatral e dramaturgo foi feito num artigo publicado no Guardian na passada sexta-feira, o mesmo dia em que milhares de jovens participavam em mais um dia de Greve Climática, e surge como consequência da insistência da Royal Shakespeare Company na sua parceria com a BP, iniciada em 2012 e a que Rylance e outros membros da companhia se opuseram desde o início. Os protestos, internos e por parte do público, que a direcção enfrentou levaram ao desaparecimento do logótipo da petrolífera das apresentações teatrais, com a BP a assumir, em alternativa, o patrocínio de bilhetes a preços mais baixos para os jovens entre os 16 e os 25 anos.

Esta quinta-feira Miriam Margolyes, actriz que já foi distinguida nos prémios BAFTA e que, no cinema, vimos, por exemplo, na saga Harry Potter, anunciou também a sua renúncia a trabalhar com a Royal Shakespeare Company enquanto esta mantiver a sua associação à BP. “Mark Rylance tem toda a razão na sua tomada de posição e eu defendo-a”, declarou à BBC. “Recusaria [a participação em produções da companhia] enquanto apoiarem algo que está a prejudicar o planeta”. Greta Thunberg, a activista adolescente sueca que iniciou o movimento da Greve Climática, também manifestou o seu apoio a Mark Rylance, escrevendo na sua conta de Twitter: “é assim que é um modelo a seguir em 2019”.

A renúncia de Rylance e de Margolyes surge num momento em que Londres tem sido palco de vários protestos, sob várias formas, contra as relações entre instituições artísticas e empresas que os protestantes consideram co-responsáveis pela crise climática actual. Em Fevereiro, o British Museum foi invadido por centenas de activistas que protestavam contra a relação entre o museu e a BP. Também a National Portrait Gallery e o Natural History Museum foram alvo de acções de protesto pelas suas relações com petrolíferas.

O mundo num caminho insustentável

O director artístico da Royal Shakespeare Company, Gregory Doran, manifestou “tristeza” pela decisão de Mark Rylance e afirmou que a companhia “reconhece a importância de um debate robusto e comprometido para a tomada destas decisões”, sem no entanto pôr em causa a relação com a BP. Quanto à petrolífera, comunicou o seu “orgulho no patrocínio [da Royal Shakesperare Company], que forneceu cerca de 10 mil bilhetes baratos por ano para jovens”, defendendo ter uma posição muito clara em relação às alterações climáticas. “Reconhecemos que o mundo está num caminho insustentável, mais precisa de ser feito para o corrigir e, nas décadas que se seguem, o mundo precisa de chegar às zero emissões de carbono”.

Em 2013, um estudo divulgado na publicação científica Climate Change revelava que dois terços da produção de gases de estufa, contabilizados desde o início da era industrial, é da responsabilidade de não mais que 90 empresas, entre privadas como a Chevron, a Mobil ou a BP, e estatais, como a russa Gazprom, a norueguesa Statoil ou a saudita Saudi Aramco.

No artigo em que anunciou a sua despedida, Rylance manifestava sérias dúvidas quanto à honestidade do comprometimento assumido publicamente pela BP na defesa do ambiente, recordando que a empresa planeia investir 41 mil milhões de libras em extracção de petróleo nos próximos dez anos. “A sua presente campanha publicitária sugere que a empresa está a investir fortemente em renováveis, mas na realidade 97% dos seus investimentos manter-se-ão em petróleo e gás”, denunciou o actor.

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