Perceber o envelhecimento através de uma doença rara

Equipa da Universidade de Coimbra estuda células de doentes com progeria para compreender o que acontece no envelhecimento fisiológico.

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Células de músculo liso de doentes com progeria DR

Há já vários anos que a equipa de Lino Ferreira estuda as células de doentes com progeria, uma doença rara que causa envelhecimento prematuro, para entender o envelhecimento que acontece naturalmente. Durante esses anos, o grupo do investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (UC) já desenvolveu um modelo in vitro dessa doença que poderá ajudar a compreender o processo de envelhecimento nalgumas doenças vasculares. Numa conferência dedicada ao envelhecimento, esta sexta-feira e sábado em Coimbra, Lino Ferreira irá falar sobre este trabalho.

Actualmente, esta investigação está inserida no programa ERA (European Research Area) Chair, projecto da Comissão Europeia que reúne as competências de uma região numa determinada área cientifica. Iniciado em 2016 e a terminar em 2020, este projecto pretende estudar o processo de envelhecimento cardiovascular, que está na origem das doenças cardiovasculares, a principal causa de morte em Portugal.

“Temos tentado perceber um pouco mais os processos que estão a induzir o envelhecimento cardiovascular”, refere Lino Ferreira, investigador responsável pelo ERA Chair e também investigador da Faculdade de Medicina da UC. “Estamos a estudar com mais detalhe o papel da matriz celular no processo do envelhecimento.”

Neste programa, estudam-se células estaminais pluripotentes induzidas de doentes com síndrome de progeria de Hutchinson-Gliford. A progeria é uma doença rara monogénica que resulta numa mutação de um gene e afecta crianças que parecem velhas e morrem velhinhas por volta dos 14 anos.

Uma das características da doença é a perda das células do músculo liso nos grandes vasos sanguíneos (como a aorta), que estão sujeitos ao efeito de fluxo sanguíneo. O mesmo pode acontecer no envelhecimento fisiológico, como a aterosclerose. A equipa tenta então perceber o que acontece a estas células quando estão expostas a esse fluxo sanguíneo.

Durante a investigação, conseguiu-se desenvolver um modelo in vitro, que reproduz a perda de células do músculo liso quando estão sujeitas ao fluxo de sangue. Conseguiu-se assim identificar um alvo molecular que está na base da perda das células.

“Achamos que a compreensão deste processo, que é patológico, pode ser muito interessante para percebermos processos de envelhecimento vascular fisiológicos, porque o target [alvo] que identificámos está envolvido noutras doenças crónicas, como a artrite e doenças genéricas do envelhecimento”, explica Lino Ferreira.

Ao encontrar já este alvo, este modelo in vitro pode contribuir para o desenvolvimento de terapias. Até agora, já foi identificado um fármaco – que estava a ser avaliado em ensaios clínicos para tratamento de doentes com cancro – que atenuou a perda das células do músculo liso nos vasos de maiores dimensões em ratinhos com progeria. Ainda não se verificou se este fármaco também resulta no contexto do envelhecimento fisiológico.

Massa crítica em Coimbra

Também no ERA Chair há uma componente translacional. Isto é, tenta-se encontrar formas de entregar nas células, de forma eficaz, as terapias identificadas durante a investigação fundamental.

Lino Ferreira falará sobre o seu trabalho no sábado na conferência “Modelos, Mecanismos e Terapias do Envelhecimento” na Faculdade de Medicina da UC dedicada ao envelhecimento, que reúne oradores estrangeiros e portugueses. Na sexta-feira, James Kirkland (da Clínica Mayo, nos Estados Unidos) fará uma apresentação sobre os ensaios clínicos que está a realizar para atenuar o envelhecimento em certas doenças.

Quanto ao futuro instituto científico em Coimbra dedicado só ao estudo do envelhecimento, o Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento, Lino Ferreira refere que é algo “estratégico” para dar ainda mais visibilidade e massa crítica a esta área na região Centro.

“É importante percebermos o envelhecimento e utilizarmos modelos de envelhecimento acelerado”, salienta Lino Ferreira sobre o trabalho em laboratório, referindo que o processo biológico do envelhecimento é complexo e tem de ser estudado em vários eixos, como a estabilidade genómica e o metabolismo.

“O grande objectivo é dar maior qualidade de vida às pessoas nos últimos estágios de vida e isso passa por atenuar um conjunto de aspectos.” Além disso, salienta o investigador, o paradigma da medicina actual tem de mudar um pouco: tem de se prevenir o aparecimento das doenças e, caso apareçam, diminuir o seu efeito e não tratar apenas uma única doença.

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