Está a nascer um instituto para melhorar a qualidade de vida dos mais velhos

O Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento será o primeiro deste tipo no Sul da Europa e o arranque oficial é a 1 de Janeiro de 2020.

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O instituto pretende aumentar a saúde dos mais velhos Nuno Ferreira Santos

Identificar as causas biológicas do envelhecimento para aumentar a qualidade de vida dos idosos. Este é um dos grandes objectivos do Instituto Multidisciplinar do Envelhecimento (MIA, na sigla em inglês), um futuro centro de investigação de excelência em Coimbra. Com um financiamento de cerca de 50 milhões de euros para seis anos, espera-se que em pleno funcionamento – em 2023 – tenha entre 90 a 100 pessoas a trabalhar nele em prol do estudo do envelhecimento. O arranque oficial deste projecto ocorrerá a 1 de Janeiro de 2020 com o início da construção de um edifício contíguo às faculdades de Farmácia e Medicina da Universidade de Coimbra (UC), que albergará o instituto.

Para explicar o que é o envelhecimento, Rodrigo Cunha – o coordenador científico da candidatura para este instituto –, conta-nos uma história. “Já estou nos 50 anos e já estou a ir para velho. Daqui a sensivelmente 15 anos a faculdade deixa de se interessar por mim e está na altura de começar o meu projecto político: vou criar o PVP, o Partido dos Velhos em Portugal.” Com o aumento da população idosa em Portugal, o seu partido até poderia conseguir a maioria absoluta no Parlamento e fazer mudanças à medida da faixa etária da população. Poderia propor a criação de hospitais geriátricos (em vez de pediátricos) e mais parques para idosos do que para crianças. Outra das suas propostas até poderia ser a mudança do limite de velocidade nas cidades.

“Se os velhos tiverem deterioração funcional, terão reflexos diminuídos e poderão impor um limite de velocidade de 20 quilómetros por hora para a circulação automóvel na cidade”, exemplifica Rodrigo Cunha. Como poderá o MIA alterar este tipo de situação? Através da investigação científica fundamental e translacional, pode contribuir para atenuar a deterioração funcional com a idade, assim os idosos terão os seus reflexos mais preservados e conduzir até aos 50 quilómetros por hora. Ou seja, ao identificar as causas biológicas do envelhecimento conseguir-se-á melhorar a qualidade de vida dos mais velhos.

No geral, este instituto estudará as bases moleculares do processo de envelhecimento. E Rodrigo Cunha especifica: “Quando olhamos para um idoso, vemos normalmente indivíduos que têm várias patologias, como problemas cardíacos, osteoporose, fragilidade óssea, cancro e diminuição de memória. Nesta altura, aquilo que fazemos é tratar estas patologias individualmente”, refere o coordenador científico da candidatura. Como em todas essas doenças as modificações biológicas associadas ao envelhecimento – como as mutações que ocorrem nas ou entre as células – são o principal factor de risco, se se conhecer esses factores poderá haver uma diminuição dessas patologias em simultâneo.

Do café a uma conferência

Para isso, irão juntar-se sete grupos de investigação de excelência no mesmo espaço físico para se estudar três grandes temas: biologia celular; degeneração dos sistemas biológicos; e prevenção, tratamento e reparação. Este será assim o primeiro instituto multidisciplinar do envelhecimento do Sul da Europa.

A multidisciplinaridade estará presente nos vários modelos de laboratório usados, como roedores, peixes, bactérias, e nos ensaios clínicos. E, além da medicina e biologia, pretende-se ainda juntar conhecimentos de cientistas de outras áreas, como de psicologia, educação física, ciências sociais e economia. “Há um aspecto importante: não queremos que seja um instituto fechado sobre ele próprio”, frisa o investigador.

Rodrigo Cunha destaca ainda o ambiente já “sólido e robusto” quer de investigação clínica quer fundamental nas áreas de doenças associadas ao envelhecimento em Coimbra, como as neurociências. Por exemplo, o grupo de investigação de Rodrigo Cunha – também professor da Faculdade de Medicina da UC – tenta perceber a razão pela qual as pessoas que bebem café de forma moderada vivem mais tempo e com menos problemas de saúde do que as pessoas que bebem menos. O objectivo é compreender os alvos moleculares de vários constituintes do café – em situações em que há variações de memória ou problemas de memória – e perceber como se pode extrair daí informação.

No sentido da partilha de ideias, esta sexta-feira e sábado decorre na Faculdade de Medicina da UC a conferência “Modelos, Mecanismos e Terapias do Envelhecimento”, que junta vários cientistas portugueses e estrangeiros.

Próximos passos

Aprovada em Abril, a candidatura para este instituto fez-se num consórcio que inclui a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) – proponente –, a Universidade de Coimbra – principal beneficiária –, a Universidade de Newcastle (Reino Unido), o Instituto Pedro Nunes de Coimbra e o Centro Médico Universitário de Groningen (Holanda).

Do investimento global de cerca de 50 milhões de euros no MIA, 15 milhões vêm directamente do programa Widening da Comissão Europeia, que pretende diminuir as assimetrias na investigação científica na Europa, e os restantes chegarão através da CCDRC e da UC. Em pleno funcionamento, estima-se que o centro tenha então entre 90 a 100 pessoas a trabalhar.

O próximo passo será a assinatura formal do contrato de financiamento a 26 de Setembro. No início de 2020 iniciar-se-á a construção do edifício chamado Biomed no Pólo III da UC, que albergará o MIA, bem como outros grupos na área da biomedicina em Coimbra. “O critério será excelência na actividade produzida”, sublinha Rodrigo Cunha. Prevê-se que a construção do Biomed custe 18 milhões de euros e fique terminada em menos de três anos.

O concurso internacional para a escolha dos sete grupos de investigação de excelência deverá ser lançado em Março de 2020 e o concurso para director científico em Junho. Os primeiros grupos escolhidos começarão por ficar temporariamente alojados em espaços da universidade e transitarão depois para o edifício do instituto.

“Acima de tudo, queremos ter uma população idosa que não crie o que será impossível de sustentar. Daqui a uns tempos, o Serviço Nacional de Saúde rebentará pelo custo que há no tratamento de idosos. Nesta altura, já cerca de 30% dos doentes em Portugal são idosos”, destaca Rodrigo Cunha. Com o número de idosos aumentar nos próximos anos, aumentarão também os doentes e os custos. “A única maneira de sustentar todas estas necessidades é tentar aumentar a qualidade de vida das pessoas.”

É para isso que está a nascer o MIA. “Acreditamos que não vamos ter pessoas até aos 200 anos, mas que conseguiremos encontrar mecanismos que permitam daqui a cerca de 15 ou 20 anos ter indivíduos com 80 anos com uma saúde que hoje têm os de 50 anos.”

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