Cristina Tavares regressa à corticeira que a despediu duas vezes

Empresa e trabalhadora chegaram a acordo. Cristina Tavares disse sempre que não queria qualquer indemnização para sair da empresa e que só aceitaria a reintegração no posto de trabalho.

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André Rodrigues/Arquivo

Ainda não eram 11h30 desta quarta-feira quando o advogado da Fernando Couto Cortiças, Nuno Cáceres, acompanhado de um dos responsáveis da empresa, abandonou as instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira, depois de ter sido alcançado um acordo com Cristina Tavares, trabalhadora que a corticeira despediu por duas vezes.

O julgamento em que a mulher contestava o segundo despedimento, não chegou a começar, e Cristina Tavares vai regressar ao seu posto de trabalho já na próxima segunda-feira, 1 de Julho. Os termos do acordo estabelecem que receberá também uma indemnização por danos morais a rondar os 11 mil euros, além do valor em falta pelos meses em que esteve em casa com subsídio de desemprego.

Uma vitória para a trabalhadora, que diz estar “com força” para regressar ao trabalho e confiante que a reintegração, no local onde esteve durante meses a fazer e desfazer o mesmo saco de rolhas de cortiça, vai correr bem. “Penso que estão de boa-fé e que me vão tratar como um trabalhador normal, com dignidade. É isso que espero, porque vou continuar a trabalhar como trabalhei sempre”, disse aos jornalistas, no exterior do tribunal. Pacificação é também o que diz esperar o advogado da empresa. “As partes vão-se dar uma nova oportunidade”, disse Nuno Cáceres, recusando que o regresso de Cristina Tavares à corticeira seja uma derrota para a empresa: “É uma forma de resolver o assunto, de se obter paz jurídica para que a empresa possa retomar a sua actividade em paz e sossego”, disse.

O julgamento para decidir a reintegração da trabalhadora na empresa deveria ter começado às 9h30 desta quarta-feira, mas não foram as dúvidas sobre a greve dos procuradores que o travou.

Antes do início da sessão já havia a indicação de que poderia haver um acordo, e assim que o advogado da corticeira chegou, houve uma curta conversa no exterior do tribunal com o representante de Cristina Tavares. Depois, a discussão dos pormenores passou para dentro do tribunal, já na presença de uma juíza.

Por duas vezes, a trabalhadora e o seu advogado desceram para conferenciar com Alírio Martins, presidente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte (SOCN). Depois, chamaram-no para que subisse. À saída, escassos minutos depois, continuava com o mesmo sorriso que ostentava desde a manhã. “A reintegração vai ser rápida, provavelmente já no início do próximo mês”, antecipava.

A confirmação viria pouco depois. Filipe Soares Pereira, que representou Cristina Tavares em nome do sindicato, considerou que o desfecho deste caso era “uma inevitabilidade”. “A Cristina nunca quis uma indemnização em substituição da reintegração. A entidade patronal percebeu que a trabalhadora queria trabalhar e que não havia fundamentos para a ilicitude do despedimento. A Cristina simplesmente denunciou factos que consubstanciam assédio moral, e fê-lo às autoridades competentes. Não teve vergonha da situação que vivenciou e transmitiu-o”, disse.​

Processo-crime continua

Cristina Tavares foi despedida duas vezes pela empresa Fernando Couto. O primeiro despedimento, em Janeiro de 2017, foi considerado ilegal pelo tribunal, e a corticeira foi obrigada a readmitir a trabalhadora. Cristina foi posta a empilhar e a desempilhar sacos com cinco mil rolhas numa palete. Em Janeiro deste ano foi novamente despedida, com a empresa a acusá-la de difamação, depois de ter sido autuada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Das três multas aplicadas por esta entidade, a empresa aceitou pagar uma, recorreu de outra (a mais elevada, de 31 mil euros, referente ao assédio moral), depois de ter perdido na primeira instância, e aguarda-se ainda que sejam marcadas as diligências relativas a uma terceira, relacionada com o segundo despedimento, que a ACT considera abusivo. 

O acordo agora alcançado não deverá ter implicações na queixa apresentada pelo sindicato ao Ministério Público contra a empresa, por assédio moral, explicou Filipe Soares Pereira, lembrando que a ACT também apresentou uma participação ao MP pela mesma razão. “O processo-crime não está na disponibilidade da trabalhadora, são processos que correm por eles”, explicou.

Cristina Tavares sempre disse que não queria qualquer indemnização e que só aceitaria a reintegração no posto de trabalho. Por isso, apesar de a empresa ter tentado chegar a um acordo que implicasse um pagamento compensatório e a sua saída definitiva da empresa, ela recusou-o. Nesta quarta-feira disse que estava “contente” e desvalorizou a indemnização conseguida, dizendo que isso “não era importante”. “Para mim foi uma vitória, porque era o que eu queria, a reintegração no meu posto de trabalho”, disse. Na segunda-feira leva um desejo para a empresa: “Vou dar o meu melhor, trabalhar como trabalhei sempre, como uma boa funcionária. Espero que da parte de lá me respeitem como sempre me respeitaram até haver isto tudo.”

Alírio Martins, do SOCN, garantiu que o sindicato “não vai largar” Cristina Tavares e irá continuar a acompanhar a sua situação. “Poderá dizer-se que hoje se fez justiça, porque este despedimento nunca devia ter acontecido nem tem razão de ser.”

Por causa da mediatização do caso, têm chegado ao SOCN mais pessoas “a denunciar pequenos pormenores” de situações que ocorrem no local de trabalho, questionando se aquilo será assédio moral, diz. Cristina Tavares admite que pode ser um exemplo para outros, mas insiste que o mais importante é poder regressar ao trabalho. “Não era isto que eu queria, este alarido todo, mas isso aconteceu naturalmente. Agora espero que tudo seja ultrapassado e que volte ao normal, ao que era antes de tudo isto acontecer.”

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