Ex-procuradora-geral aponta o dedo a advogados e polícias pela violação do segredo de justiça

Joana Marques Vidal teceu várias críticas às alterações ao estatuto do Ministério Público em discussão no Parlamento.

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Joana Marques Vidal LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Quem são os responsáveis pela divulgação de informações na comunicação social sobre processos em segredo de justiça? A pergunta é feita muitas vezes, mas poucos culpados foram até agora revelados. Joana Marques Vidal, ex-procuradora-geral de República, disse nesta quarta-feira que os responsáveis pela divulgação de “notícias públicas sobre o que se passa nos processos complexos”, portanto em segredo de justiça, podem ser “advogados e polícias”.

“Como se sabe, em processos complexos, principalmente as notícias públicas sobre o que se passa nos processos complexos, são sempre extraordinariamente contraditórias, tormentosas e, como todos nós sabemos, (…) muitas vezes o que se diz na imprensa que está a acontecer não está acontecer no processo. As situações são o mais díspares possível”, afirmou Joana Marques Vidal no encontro promovido pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) para debater as alterações ao estatuto do Ministério Público, que se debatiam à mesma hora na Assembleia da República.

E logo a seguir acrescentou: “Muitas vezes as notícias que vêem a público são manifestamente reflexos dos conflitos de interesses não só entre os arguidos, mas entre os advogados e entre as polícias também”, salientando que, por sua vez, “os magistrados do Ministério Público têm de se manter no seu dever de reserva, calados”.

“Os comentários, o dizer o Ministério Público só tem acções ilegais, que aquela prisão é completamente ilegal, esse tipo de comentários que vêm a lume, principalmente nos processos complexos, nos processos ‘mediáticos’, fazem parte da própria…é assim. E será cada vez mais assim quando os processos são mais complexos e os envolvidos nos processos são pessoas com clara notoriedade pública”, acrescentou

Durante uma intervenção de quase uma hora, muito técnica, a ex-procuradora-geral teceu diversas críticas às alterações propostas por PSD e PS, colocando-se ao lado do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, que nesta quarta-feira iniciaram uma grave de três dias por estarem contra algumas das alterações propostas pelos partidos.

Joana Marques Vidal começou por lembrar um recente acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia que dizia que a procuradoria alemã não podia ser considerada “uma autoridade judiciária para executar mandados a nível europeu “por não ter uma independência suficiente relativamente ao poder executivo”.

A partir daí teceu diversas críticas às propostas de alteração feitas pelo PS e PSD, dizendo que, se fossem aprovadas, poderiam, de “alguma forma, condicionar a independência do Ministério Público” e fazer desta magistratura uma “rainha de Inglaterra” — recorde-se que o antecessor de Marques Vidal, Fernando Pinto Monteiro, chegou a dizer que tinha os poderes da rainha de Inglaterra, alegando que não havia verdadeiro poder hierárquico no Ministério Público, numa altura em que era acusado de ser brando com os poderosos.

Joana Marques Vidal diz o PGR tem de continuar a ser o responsável pela direcção da actividade funcional e hierárquica do Ministério Público e o Conselho Superior do Ministério Público responsável pela avaliação de mérito, pelo poder disciplinar e pela gestão de quadros.

“Qualquer proposta que altere este equilíbrio de poderes e confunda as competências de certa forma põe em causa um modelo que é um modelo de equilíbrio de poderes”, declarou Joana Marques Vidal, notando que as propostas parlamentares levariam a um “desequilíbrio”, afectando o funcionamento interno do MP.

Criticou ainda os partidos por não discutirem publicamente as suas propostas de alteração ao estatuto. Acabou mesmo por considerar as propostas do PSD e PS como “uma desgraça”.

Numa sessão moderada por António Ventinhas, presidente do SMMP, participou também Albano Pinto, director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, também ele muito duro em relação às propostas do PS e PSD. Afirmou mesmo que “a perda de autonomia do Ministério Público seria voltar ao período antes da democracia, em que o Ministério Público era o olho do Governo”.

Participaram ainda no encontro os jornalistas João Miguel Tavares, colunista do PÚBLICO, e Eduardo Dâmaso, director da revista Sábado.

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