Excepcional, supletiva e temporária

A existência de um acontecimento que é simultaneamente excepcional, supletivo e temporário é o algoritmo perfeito da redundância, da nulidade, tão improvável que para ser enunciada deve ser procurada a razão da sua enunciação.

Em que consiste um acontecimento ser excepcional, supletivo e temporário? Depende. Depende das intenções do autor da sua criação, do contexto e das circunstâncias em que foi criado. Para ser excepcional, o acontecimento tem condições de se verificar se todos os outros acontecimentos não se puderem verificar, ou se for um caso estranho a esses acontecimentos. Caso contrário, as condições e critérios da excepção só se hão-de poder aplicar agora, porque o futuro, considerando a lei da contingencialidade dos acontecimentos, não se mede em excepções, mede-se em tendências e previsões. Daí que a excepcionalidade seja um acontecimento que, a verificar-se, tem de reunir, obrigatoriamente, um conjunto de condições e critérios particularmente coerentes na sua combinação e oportunos na sua concretização.

A excepção é um caso particular da regra. E, a não ser que a excepção represente um desenvolvimento particular e útil da regra, uma espécie de acontecimento imprevisível que torna a regra dispensável no futuro, a sua existência, ao tornar-se num episódio exótico, exige tantos cuidados e precauções em mantê-la que os potenciais benefícios que dela possam ser retirados se perdem na atenção que tem de lhe ser dada. A excepção é uma ruptura da regra, é um acto revolucionário que faz da excepção a regra. Porém, para que isso se verifique, torna-se necessário que a regra deixe de cumprir o seu papel e que a excepção venha preencher uma necessidade, reunindo as condições para se tornar na solução.

Para um acontecimento ser supletivo é necessário que todos os outros acontecimentos tenham deixado de reunir as condições suficientes para cumprirem o seu papel. As quais podem ser, sempre, objecto de actualização e reparação. Veja-se o exemplo da roda sobresselente das viaturas. O seu carácter supletivo só a torna útil enquanto recurso necessário para percorrer o resto do caminho. Mas a supletividade tem associada a necessidade obrigatória da manutenção do que se está a verificar e é corrente. O recurso à supletividade representa uma desconformidade relativamente ao que estava a acontecer. Ser supletivo é ser dispensável nas condições normais de funcionamento de um acontecimento. E, por definição, o que é dispensável é inútil.

O que é temporário é limitado no tempo. Porém, o tempo de duração de um acontecimento é necessariamente subjectivo. Vai desde o seu início até ao momento que antecede o infinito. É nesta amplitude de tempo que se encontra a temporalidade de um acontecimento, cuja duração passa a tornar-se arbitrária, ficando dependente de quem manda parar o relógio ou lhe continua a dar corda. O acontecimento temporário será então aquele que veio passar uma temporada a uma dada circunstância, mas em que fica em causa a reversibilidade da contaminação por ele provocada. A não ser que o propósito seja a alteração da circunstância. Nesse caso estamos perante um processo infeccioso para o qual o organismo não estava preparado e cujo desfecho se torna incerto.

A existência de um acontecimento que é simultaneamente excepcional, supletivo e temporário é o algoritmo perfeito da redundância, da nulidade, tão improvável que para ser enunciada deve ser procurada a razão da sua enunciação. E, salvo melhor explicação, ela, a redundância, não passará então de uma construção para ocultar os acontecimentos que em devido tempo darão entrada no sítio onde hão-de ter lugar.

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