Ainda a Saúde Militar

Em muitos países europeus assistiu-se ao “downgrade” da sua estrutura de Saúde Militar e à inexorável partilha de meios com a sociedade civil.

O PÚBLICO publicou na sua edição de 25 de Maio p.p. um artigo sobre o futuro da Saúde Militar, da autoria do tenente-general Joaquim Monteiro, merecedor de alguns comentários.

Importará relembrar que a reestruturação da Saúde Militar impunha-se há 40 anos e, apesar de considerada inevitável por todos, nada de relevante ter sido feito nesse sentido.

O “desencontro”, fruto de um inquietante sentimento de perda, começou logo que anunciado o encerramento das unidades da Estrela, de Santa Clara e da Ajuda e escolhida aquela que viria a ser a localização em Telheiras, do Pólo de Lisboa do Hospital das Forças Armadas (HFAR), como recomendado pela equipa técnica independente nomeada para o efeito pelo ministro da Defesa Nacional.

O Programa Funcional (PF) para o HFAR, proposto pelo Ministério da Defesa em cooperação com o da Saúde, contou com o contributo de representantes seus, do CEMGFA, que o passaria a tutelar, e dos três Ramos das Forças Armadas. É um documento estruturante, inclusivo, de grande qualidade técnica, não só do ponto de vista orgânico como funcional que, apenas aqui ou ali, peca por menor contenção. Já então se previa a construção adjacente ao HFAR de uma unidade de cuidados continuados com capacidade para 30 a 50 camas, que importará não confundir com o papel que, nesta matéria, deverá caber à Acção Social. Propor a criação de mais um hospital para esse fim é, neste contexto, simplesmente inverosímil.

Será difícil entender o constrangimento que representa para esse propósito ter um universo de menos de 120.000 potenciais utentes, dispersos pelo país, onde 15% são menores, menos de 35.000 militares no activo, 25% dos quais contratados, com menos de 30 anos. Será que uma capacidade de internamento hospitalar de 230 camas, só em Lisboa, é insuficiente para este universo?

A maioria dos países europeus foi clara quanto a isso. Em todos se assistiu ao “downgrade” da sua estrutura de Saúde Militar e à inexorável partilha de meios com a sociedade civil com o fim de os qualificar e rentabilizar.

Na realidade, um hospital é hoje uma estrutura complexa que tem de ser capaz de ajustar a oferta à procura a que é sujeito. De ter escala que justifique os seus elevados custos e assegure a proficiência dos seus profissionais. De ter uma exploração intensiva e não funcionar algumas horas por dia, nalguns dias da semana. De tratar doentes e reabilitar convalescentes e não servir de lar, casa de repouso ou alojamento para dependentes e deslocados. De poder incorporar, em tempo útil, novas tecnologias e competências e não de ser refém de complexos processos de aquisição e recrutamento de profissionais com vida útil demasiado curta para o investimento que representam. De ter uma gestão profissional e equipas multidisciplinares e não serviços unipessoais ou truncados na “expertise” que deveriam ser capazes de facultar a quem os procurasse. Mas, acima de tudo, de ser uma estrutura qualificada, coerente e equilibrada, sustentável do ponto de vista técnico e financeiro.

Urge, por isso, concluir a sua instalação nas cotas definidas pelo PF, assunto sobre o qual, surpreendentemente, ninguém se pronuncia, apesar da sua aparente inércia. De ver concretizados os protocolos de referenciação dos seus doentes para o Serviço Nacional de Saúde, nas valências que o HFAR não deverá ter e, assim, assegurar o seu adequado tratamento e os direitos que a condição militar lhes confere.

Por último, impõe-se uma urgente reestruturação das carreiras de Saúde Militar, desfazendo equívocos que urge clarificar.

Só deste modo será possível melhorar a componente assistencial à família militar e a capacidade de apoiar a prontidão da força e a sociedade civil, quando para isso mobilizado.

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