O São João do Porto já não é o que era? “Há turistas a mais”

Cada vez se ouve falar mais línguas durante o São João. E isso é bom ou mau? É diferente, certamente.

Gonçalo Dias
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Gonçalo Dias

Nas horas que antecederam a noite mais longa do ano do Porto, foi ao São Pedro que os portuenses mais rezaram. Do céu não caiu a tradicional orvalhada de São João, mas aguaceiros que ameaçaram estragar os planos de milhares de foliões. Ao que parece, as preces foram ouvidas e horas antes de o sol se começar a pôr, o céu do Porto abraçou a tonalidade cinzenta que tanto o caracteriza para assim se manter durante grande parte da noite.

Os portuenses puderam deixar o guarda-chuva em casa e libertar as mãos para os coloridos martelos, os nem sempre bem-sucedidos balões e as desejadas sardinhas que nos grelhadores dividiram protagonismo com o entrecosto e os pimentos.

Mas não só de festa e diversão se fez a noite sanjoanina. À hora a que muitos começavam a preparar as suas “brasas”, Adélia Silva estendia sobre as mesas que lhe servem de banca os símbolos mais típicos desta época.

Do alto dos seus 57 anos e dos 11 que leva a vender na Praça da Batalha, não tem problemas em admitir que o negócio “está fraco” e aposta todas as esperanças na noite que se avizinha: “tem estado um bocado parado, vamos ver hoje”. Na praça, uma das mais centrais do Porto, parecia haver mais vendedores que fregueses. No entanto, dos que passavam curiosos, a grande maioria seriam turistas, os que “perguntam, mas não compram nada”. Preparavam-se para passar a noite a celebrar, experiência que Adélia nunca teve, já que as recordações que tem do São João são “sempre a trabalhar”. O segredo para aguentar parece estar mesmo diante dos seus olhos: “É dar a martelada! E lá para as 5h vou dormir para a carrinha”, conta entre gargalhadas.

Apesar do ânimo que tenta manter, a alegria foge-lhe subitamente do olhar quando é questionada sobre o futuro das tradições que envolvem esta festa da cidade. “Está se a perder um bocadinho. O São João já não é o que era.” Mesmo assim, Adélia garante que não vai contribuir para a desvalorização da tradição. “Enquanto eu puder, vou continuar. Não saio daqui!”

Mais perto do epicentro da festa, a meia dúzia de passos das Fontainhas, está Maria do Céu. Também ela faz dos martelinhos o seu negócio por esta altura e nem a distância que a separa de Adélia é suficiente para alterar o cenário das vendas que a cada ano que passa ficam mais aquém das de antigamente. “Para aquilo que a gente fazia antes, isto não é nada. [As vendas] Estão muito em baixo.”

Por estes dias, a vendedora de 65 anos desloca-se do bairro de Azevedo, em Campanhã, para a Praça da Alegria, na esperança de conseguir as vendas que o território “pobre e esquecido” onde mora não lhe permitem ter. Na praça que escolheu para fazer negócio, destacam-se os jovens em grande número. São alunos da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto que se esforçam por retomar tradições que nem sempre foram deles. São essas mesmas tradições que fazem os olhos de Maria do Céu brilhar. Isso e as recordações de um São João com aqueles que já cá não estão. “Eu tenho muitas saudades do tempo antigo. Dos meus que partiram.”

Do outro lado da rua, mesmo em frente a Maria do Céu, está João Lima, sentando atrás da máquina onde fabrica pipocas vermelho garrido. À sua esquerda está a Rua de São Victor. “Costumava ser uma das ruas mais típicas da cidade, mas as ilhas viraram hostels.” A zona costumava ser famosa pelas diversas cascatas sanjoaninas que os residentes apresentavam quase em jeito de competição pela construção mais bela, mas quem lá se deslocasse este ano apenas poderia ver um exemplar.

João vende nas festas de São João desde de que se conhece porque foi “nascido e criado no Porto”. Começou pelas farturas, mas deixou-se disso porque “estava a começar a ficar velho”. “Isto é uma loucura, uma estupidez. Há turistas a mais”, queixa-se.

A menos de uma hora do tradicional fogo-de-artifício, descer a escadaria dos Guindais e ouvir a língua portuguesa era um desafio. Os visitantes apropriaram-se dos martelinhos e tomaram por assalto uma festa que para os próprios parece não passar disso que têm dificuldade em perceber. Foi o caso de quatro ingleses que cederem aos pregões e ao espírito de folia da ocasião, acabando por comprar quatro martelinhos. Depois de um breve exame ao objecto que tinham em mãos, um exclamou: “É feito totalmente de plástico! Isto vai acabar nas praias portuguesas mais cedo ou mais tarde…”.

Escadaria percorrida, todos os caminhos iam dar à Ribeira. Milhares de pessoas aguardavam pacientemente pelo fogo-de-artifício, afinal de contas o ambiente era de festa. E a espera pareceu não desiludir todos os que se concentravam no cais de olhos e câmaras apontados ao céu, sempre com as vozes a trautear as letras das músicas que se faziam ouvir e que serviam de banda sonora ao espectáculo pirotécnico.

A constelação de cores foi o cenário de fundo para sorrisos, abraços, beijos, lágrimas e até para pedidos de casamento. Porque apesar de tudo há hábitos que se custam a perder.

Texto editado por Pedro Rios

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