A marca Marcelo ajuda a vender. Se é “paródia” não faz mal

A figura do Presidente está a tornar-se estrela em spots publicitários. Especialistas em Direito explicam os limites da lei.

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É a segunda vez que a figura do Presidente português é aludida em publicidade para fins comerciais nos últimos dois meses LUSA/Eduardo Costa

O Presidente da República é tão popular junto dos portugueses pelos seus afectos que até já se está a ser usado como um trunfo pelos publicitários. Marcelo Rebelo de Sousa não dá importância e especialistas de Direito sublinham que, na verdade, se a comunicação não der azo a equívocos é completamente legal. Soares e até Cavaco já passaram por isso.

A figura do Presidente português tornou-se a estrela mais recente do serviço de streaming Netflix, no novo teaser que divulga a terceira parte da série espanhola La Casa de Papel. No vídeo promocional de um minuto e meio, não há única menção à palavra “Presidente”, ou ao nome de Marcelo Rebelo de Sousa, mas o tom, ritmo, e expressões usadas pela voz misteriosa (que se apresenta como “o professor” e, mais tarde, “o verdadeiro professor de Portugal”) aludem ao representante português. O telefonema lembra a chamada entre Marcelo e a apresentadora de televisão, Cristina Ferreira, no seu primeiro dia como apresentadora das manhãs da SIC.

Em declarações aos jornalistas, o Presidente da República reagiu brevemente: “Não vi, mas falaram-me dizendo que não havia propriamente nenhuma conotação nem com o cargo nem a com a pessoa.”

É a segunda vez que a figura do Presidente português é aludida em publicidade para fins comerciais nos últimos dois meses. Há semanas que é emitido pela televisão nacional um anúncio da empresa de crédito Credibom que faz referência “ao Marcelo”, que ia ser convidado para uma grande festa de baptizado.

O advogado Manuel Lopes Rocha, especialista em direito da propriedade intelectual da sociedade de advogados PLMJ, diz que é normal a publicidade utilizar temas e pessoas da actualidade. “As alusões não são proibidas”, frisa Lopes Rocha, em declarações ao PÚBLICO. “A publicidade faz-se de referências, e tem de incluir temas e pessoas que fazem da parte da actualidade. Não podem é ser explícitas.”

“Uma paródia lícita é quando se faz a alusão a uma determinada pessoa, sem a identificar explicitamente. A publicidade à La Casa de Papel é exemplo disso. Nunca é dito, especificamente, o nome de Marcelo Rebelo de Sousa. Fala-se se apenas no ‘professor’”, continua o advogado. “E há outros exemplos. Há uns anos, num anúncio a um restaurante, acho que de leitão, ouvia-se alguém a copiar a voz de Mário Soares a dizer ‘Aníbal estás tão magrinho, vamos comer leitão’. É uma alusão”, diz Lopes Rocha. 

Cavaco Silva e a Remax

Os problemas surgem quando não se percebem que a publicidade refere-se a alguém como uma paródia. “Não pode haver ambiguidade. Tem de se perceber, claramente, neste caso, que não é o Presidente a falar. E aqui o que interessa é a interpretação do receptor, não é a intenção do autor”, diz ao PÚBLICO o advogado Francisco Teixeira da Mota. 

O profissional lembra o caso de 2015 entre a Remax e o então presidente Cavaco Silva. A agência imobiliária terá usado a imagem de Cavaco Silva, no lugar de um vendedor, em vários panfletos que foram distribuídas numa Feira Internacional de Imobiliário, que se realizou em Pequim. A imagem do Presidente vinha acompanhada da frase “não compre sem me consultar, profissionalismo e dedicação ao seu imóvel”. Na altura, Remax negou o envolvimento com o caso e a montagem original terá sido criada anos antes por um blogue satírico.

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A Remax negou o envolvimento com o caso Idealista

Actualmente, porém, o direito à imagem (seja o nome, gravação em vídeo ou voz) para fins comerciais ainda está pouco regulado. “Só há normas específicas para o desporto, no regulamento de actividade do praticante desportivo”, diz Manuel Lopes Rocha. O artigo 10º do Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva protege figuras públicas de serem associadas a marcas sem autorização ao notar que “todo o praticante desportivo” tem o direito a opor-se que a sua imagem pública seja utilizada “ilicitamente para exploração comercial ou para outros fins económicos.”

“De resto, não existe excepção na lei para pessoas públicas”, nota Lopes Rocha. No Artigo 10º do Código Civil lê-se, inclusive, que “não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade”. Há apenas regras específicas, para o chefe de Estado, em casos de injúria ou difamação. O artigo 328 do Código Penal português nota que quem “injuriar ou difamar o Presidente da República, ou quem constitucionalmente o substituir é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”, sendo que “o procedimento criminal cessa se o Presidente da República expressamente declarar que dele desiste.”

Em declarações ao PÚBLICO, este domingo, o assessor para a comunicação social da Presidência, Paulo Magalhães, nota que “não há comentários” sobre os anúncios, e que “não há nada ilegal” sobre aludir ao representante português em publicidade, sendo que não é usada a imagem, nem o nome completo, e se percebe que a voz vem de um actor.

“Nestes casos, o Presidente da República vai tolerando, até porque não têm mal. São apenas alusões. E um Presidente tem de aceitar um determinado tipo de exposição pública”, remata Manuel Lopes Rocha.

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