A mentira das férias

A nossa noção de férias está bem lá no alto das expectativas. Para alguém assumir que as suas correram mal, só mesmo se foram um desastre total. De contrário, a tentação é dizer que só pecaram por serem curtas.

Nos últimos dias ficou a saber-se que Portugal está entre os países do mundo com melhores políticas de apoio à família, que existe um português entre os melhores fotógrafos de astronomia do mundo ou que há um balneário desportivo português entre os mais bonitos do mundo. Sempre que Portugal, os portugueses, ou apenas um português, fica entre os melhores em qualquer coisa, as notícias pululam. Se essa validação chegar do exterior, independentemente da credibilidade de quem a certifica, então o regozijo é a dobrar. Precisamos, continuamente, que alguém nos reafirme, como bem percebe o Presidente Marcelo que diz regularmente que somos “os melhores dos melhores do mundo”.

Todas as semanas existe um top para levantar a moral do país. Esta semana, por exemplo, ficou também a saber-se que estamos num "honroso” 3.º lugar — só atrás de espanhóis e italianos — no que toca a mentir sobre as férias. Segundo um inquérito, realizado pelo motor de busca Jetcost, apurou-se que um terço dos portugueses mente sobre o seu destino de férias, da qualidade do alojamento às actividades culturais efectuadas, existindo até quem chegue a partilhar imagens falsas nas redes sociais, forma de exibir passeios que não fez ou de restaurantes que não frequentou, para simular que passou uma temporada tão aprazível como os demais do seu círculo de sociabilidades.

Por apurar ficou a percentagem dos que nem chegam a sair de casa por falta de meios, mas intui-se que sejam cada vez mais. Um dos dados mais significativos refere que 57% reconheceu que não comentava com ninguém que as suas férias haviam sido um fiasco. O que se ouve por norma é que foram inesquecíveis. São poucos os que são capazes de admitir que foram geradoras de ansiedade, ou que motivaram acaloradas discussões entre conjugues — dizem as estatísticas que as separações entre casais aumentam no regresso de férias — ou entre pais e filhos.

Os especialistas dizem que o descanso é essencial para “recarregar as baterias”. O problema é que as baterias humanas nem sempre respondem bem quando ficam imersas num lugar que não o escritório, acabando por confundir repouso com ressaca. Acabamos por formar uma ideia romantizada sobre as experiências. No caso das férias imaginamos um período de prazer, lazer, diversão ou renovação de conhecimento. Essas percepções tendem a pesar mais do que admitimos na avaliação da satisfação. Por outras palavras: a nossa noção de férias está bem lá no alto das expectativas. Para alguém assumir que as suas correram mal, só mesmo se foram um desastre total. De contrário, a tentação é dizer que só pecaram por serem curtas.

Hoje parecem ser vividas como uma obrigação por entre o universo de “pacotes” e “promoções”, mecanismos de consumo dirigidos ao espírito do aproveitar tudo ao máximo, numa lógica concorrencial, onde a tranquilidade é quase sempre uma miragem, com filas para todo o lado, preços caros e consumo desenfreado. Todos querem fazer tudo ao mesmo tempo, em correria, olhando sempre para o vizinho do lado que se está a divertir mais, vivendo tudo numa canseira sem fim. Por outro é cada vez mais difícil desligar. Há sempre um e-mail para ver, um telefonema para fazer ou um comentário para responder.

Vivemos um tempo intenso, onde a quantidade se sobrepõe à qualidade. Às vezes regressa-se de férias a precisar de paz, quando estas deveriam ter-se baseado em momentos de humanização, de respiração, de contemplação, de espaços de silêncio, de relação, de mergulhar mais fundo na vida e maravilharmo-nos com ela. Ser em vez de parecer. Coisa difícil para os portugueses que são bons a fingir que está tudo bem.

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