Guiné-Bissau: José Mário Vaz sozinho contra as elites

No discurso para assinalar o fim do mandato, o Presidente guineense sublinhou o “marco histórico” de ser o primeiro chefe de Estado a cumprir o mandato até ao fim em 25 anos de multipartidarismo.

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O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, terminou este domingo o seu mandato, mas vai manter-se no cargo mais alguns meses Joe Penney/Reuters

José Mário Vaz falou na sua luta contra as elites da Guiné-Bissau no dia em que chegou oficialmente ao fim o seu mandato. Num discurso à nação a partir do Palácio da Presidência, em Bissau, o chefe de Estado sublinhou este domingo, no último dia do seu mandato, o momento histórico de ser o primeiro Presidente do país a terminar o seu mandato em 25 anos de multipartidarismo.

“Sou o primeiro Presidente da República, após 25 anos da abertura democrática, a concluir o seu mandato. Este é um marco histórico, pleno de significado e de simbolismo no processo de consolidação e estabilização do nosso regime democrático”, afirmou Vaz.

Um tom de feito histórico em nada condizente com um mandato marcado por enorme conflitualidade entre a Presidência e os poderes executivo e legislativo, com o fomento de uma dissidência no partido histórico da luta de libertação, o PAIGC, e oito governos de seis primeiros-ministros (Baciro Djá esteve duas vezes e Aristides Gomes foi nomeado na sexta-feira para um novo mandato).

O chefe de Estado tem, no entanto, uma interpretação para a crise política constante durante a sua permanência na presidência (e que ainda se vai prolongar, pois as eleições estão marcadas apenas para 24 de Novembro): “Defender a Constituição é dever fundamental do Presidente da República, que é o garante da Constituição e das demais Leis da República. Esse tem sido, nestes cinco anos, o meu trabalho como Presidente de todos os guineenses, pelo resgate da Constituição e das Leis, pela reafirmação do Estado como património de todos e não de apenas uma elite.”

Segundo JOMAV (como é conhecido, devido ao nome da sua empresa), a crise política na Guiné-Bissau tem a ver com a sua “luta” e é essa “a razão de tanta incompreensão e de tantos ataques das elites à figura institucional do Presidente da República”.

Um Presidente que atrasou de tal forma a marcação das eleições que se vai manter no cargo muitos meses para lá do seu mandato, que tardou mais de três meses a nomear um primeiro-ministro saído das eleições de 10 de Março e que só o fez pressionado interna e externamente – e, mesmo assim, não vai cumprir, porque se há novo primeiro-ministro indigitado, Aristides Gomes, que se mantém no cargo, ainda não há novo Executivo –, traçou de si mesmo um retrato em que só ele e os seus partidários mais ferrenhos parecem acreditar.

“Hoje e como sempre ao longo destes cinco anos, falo-vos na condição de Presidente de todos os guineenses, um Presidente eleito na expectativa de mudanças profundas no país e na vida do nosso povo”, acrescentou o chefe de Estado que, mesmo em luta acérrima contra o PAIGC (curiosamente, o partido que o apresentou como candidato em 2014), não conseguiu fazer com que o antigo partido único perdesse as eleições: o PAIGC ganhou, embora apenas com maioria relativa, mas, entretanto, fez uma coligação com três pequenos partidos que lhe dá uma maioria estável para governar. José Mário Vaz custou-lhe aceitar esse resultado e durante 100 dias não nomeou o novo Governo.

JOMAV terminou o seu mandato a recusar o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, para primeiro-ministro – mesmo sendo prerrogativa do partido mais votado escolher a pessoa que pretende a chefiar o Governo –, o mesmo que inaugurou o rol de primeiros-ministros demitidos deste conturbado mandato presidencial.

Como dizia, em Março, o diplomata moçambicano Gabriel Dava, há seis anos chefe do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas em Bissau, os últimos cinco anos foram anos perdidos para a Guiné-Bissau, tempo em que as estruturas do Estado deixaram praticamente de funcionar. “A Guiné-Bissau tem agora a oportunidade de um novo começo político”, referia Dava ao Mail & Guardian.

A visão de Vaz é muito diferente: “Os momentos de crise político-institucional que vivemos inscrevem-se no quadro desta minha luta pelo primado da Lei e pela igualdade dos cidadãos, não podendo haver um grupo que seja detentor de todo o poder e de toda a riqueza e outro vasto contingente de cidadãos que apenas tem deveres e está condenados à subserviência e a viver dos restos dos outros.”

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