A Porta já se entranhou em Leiria e vai continuar “enquanto as pessoas quiserem”

O festival que começou no dia 14 e termina este domingo fez com que a cidade abrisse as portas para mostrar o que de melhor ali se faz.

Fotogaleria
Foram muitos os concertos, nesta edição do festival VERA MARMELO
Fotogaleria
António Maria Pereira no seu estabelecimento VERA MARMELO
Fotogaleria
VERA MARMELO
Fotogaleria
VERA MARMELO
Fotogaleria
VERA MARMELO

No interior do estabelecimento de António Maria Pereira, o tecto é ocupado por pneus, amortecedores, cremalheiras e rodas de bicicletas antigas, entre outras peças suspensas por arames. Homem dos seus 86 anos, há outros 63 que mantém abertas as portas da oficina na esquina da rua Direita com a Pedro Álvares Cabral, no centro de Leiria. Na tarde deste sábado, estava pendurado um novo adereço, estranho à temática mecânica. Uma bola de espelhos foi ali instalada para adornar o concerto de estreia do duo Lost Lake, um dos pontos do vasto programa do festival A Porta, que decorre desde dia 14 e termina hoje, 23.

À quinta edição, o festival que se estende por Leiria é bem mais que um embrião. Ocupa o centro da cidade com workshops, exposições, artes visuais, visitas guiadas, uma feira, actividades para crianças e desdobra-se em espaços mais ou menos prováveis para dar palco a bandas já consolidadas ou a projectos que estão a dar os primeiros passos. Nos dez dias de festival, por ali passaram nomes da música portuguesa como Manel Cruz ou JP Simões, mas também projectos de vários pontos do globo, como o neozelandês Jonathan Bree ou a mistura de cumbia com psicadelismo dos The Mauskovic Dance Band, que subiram ao palco na noite de sábado. 

À entrada do último fim-de-semana, na sexta-feira, A Porta assumiu um tom mais festivo, numa série de concertos que abriu com os brasileiros Venga Venga. A tocar em casa, a apresentação dos leirienses First Breath After Coma (FBAC) teve como base o mais recente trabalho, NU, depois de uma falsa partida (a primeira música foi interrompida por um problema técnico) e do primeiro dia do festival em que resistiram a 24 horas de concerto performance. Bruno Pernadas levou ao jardim Luís de Camões a sua digressão sinfónica entre jazz, pop e funk, antes de Mdou Moctar, com a sua guitarra eléctrica, trazer à noite amena de Leiria o calor do rock feito no Níger. 

No sábado, a rua Direita, eixo central do festival, fazia alastrar o seu bulício às ruas mais próximas, com a rua transformada em atelier e mercado e as portas abertas. Mas A Porta já se entranhou no miolo de Leiria, ao ponto de os bares que orbitam a rua Direita já terem uma certa programação paralela ao evento oficial.

Mostrar a casa

Sendo em Leiria, a programação teve ainda espaço para a Villa Omnichord, um chalé do século XIX dedicado aos artistas da editora com o mesmo nome e intimamente ligada ao festival. Artistas como Surma, Whales ou Jerónimo passaram por lá na quinta-feira, dia 20. A poucos quilómetros do centro da cidade, na pacata aldeia de Cortes, está instalado o Espaço Serra, tornado associação, onde ensaiam e gravam muitas das bandas da nova cena musical da cidade, nomeadamente as que têm o selo Omnichord (que edita também os FBAC e os Nice Weather For Ducks), mas não exclusivamente. Há também criativos de outras áreas, de pintores a designers. Telmo Soares, dos FBAC, os primeiros a chegar, faz a visita guiada ao antigo complexo fabril que ocupam graças à generosidade dos donos e explica o objectivo: “é um espaço de criação puro e duro. Não queremos que seja um negócio”. 

A Porta, explica ao PÚBLICO o director artístico do festival, Gui Garrido, não nasceu para aproveitar a onda de fundo que a Omnichord já trabalhava desde que nasceu, em 2013, mas acabam por se entrelaçar, havendo um “um crescimento contínuo entre ambos”, diz. “Há uma ligação quase umbilical”, sintetiza Hugo Ferreira, fundador e dono da editora. Mas A Porta conta com uma miríade de colectivos e agentes culturais locais.

Este é o terceiro ano em que António Maria Pereira abre a oficina, para servir de palco a pequenos concertos. “É uma festa”, descreve, para explicar que tanto vem gente de fora como da própria cidade. A participação da comunidade é uma das preocupações mencionadas por Gui Garrido para justificar a existência do festival. Como exemplo, um dos pontos da programação foram os jantares em casas particulares, com concertos.

António das bicicletas, como é conhecido, mostra uma fotografia antiga, dos anos 1960, em que vendia motorizadas e a rua estava cheia de veículos Casal, novinhos em folha, prontos a vender. Hoje já não é assim e sobrevive sobretudo de reparações e do “amor à arte”. No fim da conversa com o PÚBLICO, depois de confessar uma certa amargura em relação ao União de Leiria, despede-se: “Meu caro amigo, tudo tem o seu tempo”. Uma ideia reforçada por Gui Garrido, para explicar o projecto do jardim cívico, onde crescem alfaces, couves ou cenouras e cujo objectivo é a apropriação pela comunidade. “Aquele jardim vai-se manter enquanto as pessoas quiserem. Daí haver este paralelismo com o festival: vai continuar enquanto fizer sentido”, conclui.

Sugerir correcção
Comentar