As outras “estrelas” da CAN

A Taça das Nações Africanas é muito mais que Mo Salah e Sadio Mané. Aqui ficam três entre muitas histórias para seguir durante as próximas três semanas.

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Serão três semanas de futebol africano na CAN 2019 Reuters/MOHAMED ABD EL GHANY

A principal narrativa que domina a presente edição da Taça das Nações Africanas, que se está a realizar no Egipto, é a discussão sobre qual das “estrelas” do campeão europeu Liverpool irá levar a respectiva selecção ao título continental. Será que Mohamed Salah irá conduzir o Egipto a mais um título? Ou terá o Senegal de Sadio Mané argumentos para conquistar o troféu pela primeira vez? É legítimo haver esta discussão porque Salah e Mané estão entre os melhores jogadores da actualidade e o seu sucesso na prova continental alimenta a expectativa de, lá mais para o fim do ano, estarem na discussão pelos prémios de melhor do ano. Mas esta CAN 2019 é muito mais que isso e, entre as 24 selecções participantes (mais oito que em edições anteriores), há muitas histórias que merecem ser contadas.

A aventura malgaxe de Jérémy Morel

Sendo esta uma CAN com mais participantes, nada mais natural do que haver uma boa dose de estreantes. Madagáscar é uma das três selecções nessa condição e, dado o seu passado colonial, tem uma forte influência francesa, a começar no seu treinador, Nicolas Dupuis, que acumula as funções de seleccionador com as de técnico do Fleury, equipa da quarta divisão gaulesa. Entre os 23 convocados para a CAN, há muitos jogadores nascidos no hexágono (alguns com passados nas selecções jovens de França) e representar Madagáscar é uma oportunidade única de participar numa grande competição de selecções.

Foi o que pensou Jérémy Morel, um experiente e polivalente defesa com centenas de jogos na Ligue 1 entre Lorient, Marselha e Lyon. Assim que Madagáscar garantiu a presença na CAN, o defesa de 35 anos, cujo pai nasceu em Diego-Suaréz, no norte da ilha, fez uns telefonemas para saber se ele próprio era elegível. “Foi ele que me ligou a dizer: ‘Não quero tirar o lugar a ninguém, mas fique a saber que tenho origens malgaxes. Quero muito vestir a camisola de Madagáscar’. E calhou muito bem porque eu andava à procura de um jogador experiente para a defesa”, contou Dupuis. Apesar da sua longa carreira em clubes de topo, Morel nunca chegou à principal selecção francesa mas será, com alta probabilidade, titular nesta sua aventura malgaxe.

Das ruas de Malmoe aos campos da CAN

Quando tinha dez anos, a tia ofereceu-lhe uma camisola de Henrik Larsson, mas Lumala Abdu não sabia quem era este avançado sueco que tinha jogado em alguns dos maiores clubes da Europa, como o Barcelona ou o Manchester United. Abdu ainda estava longe de sonhar com o futebol numa vida que começara da forma mais traumática possível – não sabia quem era o pai e a mãe tinha morrido com quatro meses. Numa pequena aldeia no Uganda, Abdu foi criado pela avó e, aos 16 anos, resolveu ir sozinho para a capital Kampala, onde aprendeu a sobreviver. Pouco depois, conheceu um grupo de europeus que lhe arranjou um lugar num avião com destino a Malmoe, na Suécia. Aterrou e a quem o acompanhava disse que ia ali e já voltava. Não voltou.

Isto foi em 2013. Seis anos depois, Lumala Abdu regressou a África pela porta grande, como um médio rápido e talentoso e um dos valores emergentes da selecção do Uganda. Mas a redenção de Abdu através do futebol não foi fácil. Depois de ficar sozinho no aeroporto de Malmoe, andou a vaguear pela cidade sem saber o que fazer e alguém o encaminhou para os serviços de imigração. Colocaram-no em Bromolla, no norte da Suécia, começou a jogar futebol organizado e o seu talento foi evidente desde a primeira hora. Em três anos, Abdu chegou ao Kalmar FF, da primeira divisão sueca, e tem feito a sua aprendizagem acelerada em empréstimos sucessivos a vários clubes suecos, um deles o Helsingborg, que tem como ídolo maior um avançado chamado… Henrik Larsson.

O refugiado do Burundi

Elvis Kamsoa passou os primeiros 11 anos de vida num campo de refugiados na Tanzânia. Ainda era um bebé quando os seus pais decidiram fugir do Burundi, um país destruído pela guerra civil, com destino incerto, apenas para escapar à morte. O refúgio temporário na Tanzânia durou mais de uma década e, durante este tempo, Elvis cumpriu um ritual comum a tantas crianças de tantos países. Depois da escola, jogava futebol até se cansar. “Não havia muito para fazer. A única coisa que fazíamos depois da escola era jogar à bola na rua. O campo era demasiado pequeno porque éramos centenas. Às vezes nem conseguia ver a bola”, contaria mais tarde ao site Goal.

Entre centenas, era preciso ter uma habilidade especial para segurar a bola e todo esse treino em circunstâncias difíceis haveria de valer ouro mais tarde. A família conseguiu um visto para ir viver para a Austrália, em Adelaide, e Elvis fez do futebol a sua vida. Aos 22 anos, é um extremo já com nome feito na Liga australiana (representa o Melbourne Victory, um dos maiores clubes do país), mas, durante muito tempo, hesitou na hora de escolher a sua selecção, se o país onde viveu apenas alguns meses, se o país que o acolheu. O Burundi chegou primeiro.

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