Decálogo para uma maioria

Tudo isto poderia ser a base de um programa do PS. O tal PS para quem, durante quatro décadas, a liberdade foi mais relevante do que a dogmática da igualdade.

O país político tem menos de um mês para manter, com os portugueses, uma linha de comunicação sobre os problemas que temos de enfrentar na próxima legislatura. Em meados de julho estarão aí as férias e só haverá um tema que pode implicar com a nossa vida e esse está, penso, a ser bem tratado.

O que se esperava que os partidos estivessem já a fazer? A discutir as suas opções programáticas para os anos próximos. Mas não, só o PS se atreve nessa empreitada que é acompanhada pelos dois dossiers que dizem muito à outra esquerda – Lei de Bases da Saúde e legislação laboral.

O PS assenta a sua discussão em quatro áreas de relevância – demografia, desigualdades, descarbonização e digital. E faz bem.

Acontece que os programas do PS tendem a ser de uma impenetrabilidade quase ciclópica, mesmo que se munam de substância e de rigor. Talvez por isso, o nosso contributo se fique por um decálogo que possa ajudar no combate.

1. Portugal é Atlântico e Europa. A nossa presença na NATO, o reforço da importância estratégica do nosso território depois da saída do Reino Unido da UE, nunca podem ser objeto de negociação. A Europa, por seu lado, é o nosso único destino. Deveremos aprofundar a sua missão, dar todos os passos para uma progressiva integração política, social e económica.

2. Portugal é um país de diplomacia ampla, de justiça afirmada e de segurança garantida. A nossa presença internacional não pode deixar de valorizar os nossos habituais parceiros, mas não pode negar o papel universal da nossa História. A nossa justiça deve afirmar-se credível e rápida, exemplo para os padrões internacionais e sem interferências, e a segurança deve manter-nos no pódio dos países livres.

3. Portugal é um país sustentável e de boas contas. Não pode haver transigências para o gasto, devemos continuar a ter uma dívida contida e deveremos saber que todos os excessos nos serão devolvidos. Devemos ponderar a tributação tendo em conta o espaço ibérico de competitividade, reduzir o impacto nas classes médias e alforriar as empresas.

4. Portugal é terra e mar. A terra obriga a uma política de descentralização mais pensada, com economias locais capazes e com futuro, com um Estado relocalizado, com um combate forte à desertificação física. O mar deve continuar a política instaladora dos últimos anos e deve continuar a ganhar importância estratégica ao nível das opções transversais das políticas públicas.

5. Portugal são os portugueses. Temos de ser mais e para isso só podemos aumentar a oferta de creches, a flexibilização laboral dos pais, a alteração da política fiscal de forma progressiva. Mas também são os novos portugueses que cá chegam, com mais imigração e com mais integração.

6. Portugal é terra de oportunidades. Que a obsessão pela luta contra as desigualdades não nos transforme em seres uniformes, que o Estado desenvolva políticas para todos, mas que não limite quem quer fazer o seu caminho, criar, empreender, ter ideias, ser rico. Ser rico, para o PS não pode ser um anátema, para o PS a luta é sempre para que não haja pobres.

7. Portugal é conhecimento. Educação ao longo de toda a vida, tecnologia e investigação, cultura nas suas diferentes formas e sem elitismos castradores, integradora das regionalidades e da ancestralidade. Mais professores porque o mundo não pára, mais incorporação para que as empresas sejam lugar de doutorados, mais formação para a gestão, mais tecnologia em tudo o que seja produção e especialmente Estado, mais amor por nós, velhos no mundo das nações.

8. Portugal é saúde para todos. Mas essa saúde é alimentação esclarecida, é desporto praticado, é qualidade da habitação, é vida familiar gregária, é o equilíbrio entre a beleza e a realidade do homem finito. Alimentação reforçando um ministério que se tem consumido num caixa de fundos europeus agrícolas; saúde de um ministério que tarda em se reinventar, que se tornou o mais gastador e o mais ineficiente. Mais recursos humanos são urgentes, mas mais tecnologia, mais gestão e menos burocracia são prioritárias.

9. Portugal é água, resíduos e energia. Água como suporte vital das pessoas, das culturas e do território. O Alqueva está lá, o pequeno regadio vai andando, mas a gestão... O ciclo da água precisa de correr, os “transvases” precisam de garantias. Os resíduos precisam de ser tratados economicamente deixando de os vermos como pagamento dos cidadãos, para os vermos como financiamento das comunidades ecológicas. A energia não pode ser só sex appeal, deve ponderar o mix, deve integrar a geopolítica, deve observar a segurança de abastecimento. Avassaladoramente renovável? No mundo das próximas décadas é um risco.

10. Portugal é economia e investimento. É a valorização do risco e da iniciativa que nem sempre é ouvida nas linhas do centro político, é simplicidade no trato com os que não se quedam, é caucionar empresas e empregos com cara e não só funds com rendas garantidas em economia de levante. É investimento público bom, fazendo dos recursos europeus a alavancagem, saindo um país farto de gastar com poucos resultados na produtividade e nos salários para um fomento assente em resultados que equilibre as regiões com critério.

Tudo isto poderia ser a base de um programa do PS. O tal PS para quem, durante quatro décadas, a liberdade foi mais relevante do que a dogmática da igualdade. Cristalizar os pobres é tarefa das outras esquerdas. Dar oportunidades com justiça é a nossa marca. Que assim possa ser o PS esperançoso da maioria que se ambiciona.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários