Professores portugueses entre os que gastam mais tempo de aula a controlar presenças e comportamento dos alunos

Resultados do inquérito TALIS, da OCDE, mostram que só 73,5% do tempo de aula no ensino básico é dedicado a actividades de aprendizagem. Outra conclusão: professores precisam de formação para lidar com alunos com necessidades especiais.

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Nuno Ferreira Santos

Tarefas administrativas, como a distribuição de formulários ou a verificação de presenças, e o controlo do comportamento dos alunos ocupam, em média, um quarto da duração total das aulas no ensino básico. Esta proporção coloca Portugal entre os países e economias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde se despende menos tempo em actividades de ensino e aprendizagem (73,5%). A média da OCDE é 78,1%. Os professores que mais dizem usar o tempo de aula para esse propósito estão na Rússia, Estónia e Vietname.

Os números fazem parte do inquérito TALIS (Teaching and Learning International Survey) 2018, produzido pela OCDE. O primeiro volume da terceira edição do relatório, que dá voz a professores e directores das escolas sobre as suas percepções e opiniões em relação ao sistema de ensino em que estão integrados, foi publicado nesta quarta-feira. O segundo volume, sobre a valorização da profissão, será conhecido em 2020.

Ao PÚBLICO, João Costa, secretário de Estado da Educação e presidente do órgão de governação do TALIS, reconhece a questão do comportamento em sala de aula (e do tempo gasto a geri-lo) é uma dimensão “preocupante”. É algo que “tem de ser cruzado” com outras questões como “o envolvimento dos estudantes, as questões de disciplina, as questões de valorização geral dos professores e a relação com encarregados de educação”.

A utilização do tempo de aula para as tarefas ditas de aprendizagem está a diminuir. Nos últimos anos, esse tempo “diminuiu em cerca de metade dos países e economias participantes no TALIS”, adianta a OCDE. Em Portugal, a redução foi de dois pontos percentuais.

E o que explica esta tendência? Em parte, o número de alunos por turma. Ao analisar os dados do TALIS, a OCDE conclui que “quando os professores têm turmas maiores, tendem a gastar menos tempo de aula nas actividades de ensino e aprendizagem”. Os professores portugueses reportam uma média de 22,2 alunos por turma, um valor próximo da média da OCDE. A redução do número de alunos por turma, primeiro nas escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) e depois nos diferentes graus de ensino, tem sido colocada em prática pelo Ministério da Educação.

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Controlar o mau comportamento 

Mesmo assim, os professores portugueses (97,8%) são os que mais se dizem capazes de controlar comportamentos disruptivos na sala de aula. A média da OCDE fica-se pelos 85%. E também estão entre os que mais dizem que frequentemente acalmam alunos com esse tipo de atitudes.

O tempo gasto em actividades relacionadas com o ensino também está a mudar. “De um modo geral, os docentes tendem a ocupar mais horas em aulas do que na sua preparação”, lê-se no relatório. Mas, se na maioria dos países, o tempo despendido em aulas aumentou nos últimos cinco anos, em Portugal diminuiu. É quase menos uma hora por semana. A preparação das aulas também ocupa menos duas horas aos professores portugueses.

Quanto à avaliação dos estudantes e à comunicação dos resultados, 90% dos professores nacionais dizem que avaliam frequentemente os alunos e transmitem de imediato os seus comentários (a média da OCDE é 79%).

Mais formação para necessidades especiais

Num outro capítulo, a OCDE foca-se na formação da classe docente. Em Portugal, cerca de 33% dos professores do básico trabalham em escolas onde mais de 10% dos alunos têm necessidades educativas especiais. No secundário o número é ainda menor: 21%.

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As diferenças entre o básico e o secundário têm uma explicação possível, segundo João Costa: “No ano em que os professores foram inquiridos, em 2018, estávamos a viver no secundário uma lei que empurrava os alunos [com necessidades especiais] para o profissional. Este ano [há um novo regime de educação inclusiva] estamos a reduzir o número de alunos por turma também no científico-humanístico. Pode ser por isso que há essa representação.” 

Mesmo assim, no que diz respeito à preparação para lidar com estes alunos, os professores portugueses ainda ficam aquém. E são os próprios a admiti-lo. Só 30% tiveram formação sobre como lidar com estudantes com necessidades especiais no último ano e cerca de 27% dizem que é algo que lhes faz falta.

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Os directores também o reconhecem. Metade dos inquiridos diz que a qualidade do ensino nas suas escolas é prejudicada pela falta de docentes com formação específica direccionada para crianças com necessidades especiais. Um número que está muito acima da média da OCDE: 32%.

“O TALIS é o único estudo a nível internacional que é apenas a voz dos professores e dos directores. Não há dados fornecidos por governos. É um olhar sobre os sistemas educativos que vem dos profissionais”, refere o secretário de Estado. Por isso, a referência dos professores à necessidade de formação em necessidades especiais é importante. “Alegra-nos”, diz João Costa, porque “é um investimento que temos feito em termos de formação contínua”. 

“Estamos a creditar a formação em educação inclusiva para todos os grupos de recrutamento. O TALIS ajuda-nos a definir prioridades de investimento. Agora, com turmas a funcionar em todo o país, continuamos a perceber que é das áreas em que temos de investir mais”, esclarece. 

Classe docente envelhecida

A OCDE volta a frisar que os professores portugueses estão entre os mais envelhecidos. Têm, em média, 49 anos — mais cinco do que a idade média dos docentes dos outros países e economias que participam no TALIS.

A organização sublinha ainda que, em 2018, 47% destes profissionais tinham 50 anos ou mais. Algo que se agravou desde 2013 e 2018, quando esta proporção se ficava pelos 28%. “Significa que Portugal vai ter de renovar cerca um em cada dois membros da sua classe docente durante a próxima década”, diz a OCDE.

“O rejuvenescimento do corpo docente tem de ser um tema a inscrever nas agendas que aí vêm”, admite João Costa. Sobre a substituição dos professores reformados, o secretário de Estado da Educação avança que está a ser feito um “trabalho conjunto com o secretário de Estado do Ensino Superior e com a secretária de Estado Adjunta e da Educação no sentido de fazer uma previsão das aposentações até 2025”. O objectivo é usar a informação para iniciar “um diálogo com o Conselho Nacional de Reitores e com o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos” para passarem a mensagem de que “vai haver emprego para os professores”.

Mesmo assim, há boas notícias: 84% dos professores do básico dizem que a profissão foi a sua primeira escolha de carreira. Portugal é o quarto país onde mais docentes afirmam isto — a média da OCDE fica-se pelos 67%. Mas há diferenças quando se olha para as escolhas por género e tempo de carreira. Há mais mulheres (86%) a dizer que a escolha pela carreira docente foi a primeira opção do que homens (79%). E há mais profissionais que têm cinco ou mais anos de carreira (85%) a desempenhar a profissão que realmente desejavam do que os que têm cinco anos ou menos (71,4%). 

A análise da distribuição dos professores por género mostra que as mulheres estão em maioria: são três em cada quatro. Mas há muitas menos a assumir a liderança das escolas (só 43%).

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