Os advogados oficiosos numa justiça para ricos e para pobres

Apesar do mérito dos advogados oficiosos, os cidadãos vão estar sempre sujeitos a escusas e dificuldades, não por culpa daqueles, mas por quem teima em dificultar este direito fundamental de acesso aos tribunais. E todos sabemos quem são.

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Nelson Garrido

A propósito da reportagem emitida pela TVI sobre o sistema de acesso ao direito e suas problemáticas, urge dizer que são os advogados oficiosos que garantem o acesso à justiça a milhares de portugueses.

Sempre que o país discute o estado da Justiça na dimensão do seu acesso, resulta uma injusta culpabilização dos advogados que prestam este serviço ao Estado e que o cumprem, muitas vezes, com sacrifício pessoal. Não há aqui lugar para a bafienta distinção entre os bons advogados particulares que apresentam resultados e os indigentes advogados oficiosos que não asseguram uma boa defesa aos seus patrocinados. Isto não existe, aliás, qualquer advogado que consideremos excelente profissional pode estar inscrito no sistema de acesso ao direito, disponibilizando o seu trabalho em prol da justiça. A questão é muito mais complexa.

O sistema de acesso ao direito garante aos cidadãos, na senda do art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, o patrocínio jurídico a quem não tiver possibilidades de pagar um advogado. É a segurança social que defere ou indefere os pedidos, tendo em conta os rendimentos e património pessoais do requerente. O problema levanta-se pela complexidade do impresso e respectivo preenchimento o que leva o cidadão a não raras vezes pedir apoio judiciário de forma errada.

Mas não fica por aqui. O facto de ser nomeado um advogado da comarca onde o patrocinado reside e não na zona onde corre o processo pode impossibilitar uma defesa digna porque seria o próprio advogado a pagar as deslocações necessárias para a realizar. O Estado não paga aos advogados as despesas de deslocação, mesmo sendo estas essenciais para um bom patrocínio, tendo como resultado um elevado pedido de escusas por parte destes profissionais que não poderão estar incluídos numa lógica de pagar para trabalhar.

Os cidadãos viram-se, geralmente, contra o advogado oficioso por considerarem que pelo facto de este não estar a ser pago pelos próprios negligencia o patrocínio, prejudicando assim as suas justas pretensas de acesso à justiça. O que poucos sabem é que os advogados inscritos neste sistema ganham mal e a más horas. A tabela de compensações não é actualizada desde 2004, mas mesmo nesse tempo as compensações eram irrisórias. O pagamento só é feito no fim dos processos demorem um ou 20 anos.

O cerne da questão não está na qualidade dos advogados oficiosos, está sim na vontade política da tutela de cumprir e fazer cumprir o comando constitucional do acesso ao direito e aos tribunais. Não podemos continuar a ter uma justiça desenhada para dissuadir o comum do cidadão do seu acesso, mas que por outro lado não se opõe aos grandes litigantes que são sobretudo grandes empresas e sociedades. Mais uma vez, o dinheiro é a lógica de um sistema que se quer nobre e irrepreensível, o dinheiro consegue sempre ser a balança que regula todos os aspectos da sociedade, incluindo este, tão bonito e sensível.

Contudo, é também a Ordem dos Advogados inepta em toda a linha, não tendo grande interesse nesta matéria, por estar mais preocupada em facilitar a vida aos grandes escritórios e sociedades de advogados. Enquanto a Ordem dos Advogados se continuar a preocupar mais com o status quo do que com a igualdade na justiça haverá sempre uma justiça para ricos e uma justiça para pobres.

Sim, isto é uma realidade, pois apesar do mérito dos advogados oficiosos, os cidadãos vão estar sempre sujeitos a escusas e dificuldades, não por culpa daqueles, mas por quem teima em dificultar este direito fundamental de acesso aos tribunais. E todos sabemos quem são.

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