O “íntimo da arquitectura” vai estar aberto ao público durante um fim-de-semana

A 5º edição do Open House Porto realiza-se a 29 e 30 de Junho com um número recorde de espaços disponíveis: 70. Em 2018, a iniciativa contou com 32 mil visitantes.

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Gonçalo Dias

A literalidade foi a máxima que guiou Joana Couceiro e Nuno Valentim ao longo dos últimos meses, quando desenvolveram trabalho de curadoria para a edição de 2019 do Open House no Porto. E como é que esta literalidade, que quase remete para a banalidade, se justifica? Com a vontade que a dupla manifestou, ao longo de todo o processo de escolha, em manter-se fiel à ideia embrionária do evento: o “abrir de portas” de edifícios com arquitecturas icónicas e que são, na sua maioria, de difícil acesso à população. Mesmo assim, este regresso às origens não se deu de forma arbitrária.

Na lista de 70 espaços disponíveis para visita no fim-de-semana de 29 e 30 de Junho — o maior número das cinco edições que já se realizaram —, há a predominância de casas particulares (cerca de 44%), uma clara inversão do que aconteceu no último ano. Esta opção parece agradar aos cidadãos, já que segundo Nuno Sampaio, director da Casa da Arquitectura (uma das entidades organizadoras do evento), “análises às edições anteriores” permitiram à organização perceber que “há maior propensão das pessoas” a visitarem edifícios com estas características. “A habitação individual seduz as pessoas e vai ter muita procura.”

No entanto, esta opção nem sempre é viável, já que exige disponibilidade por parte dos proprietários para conceder livre acesso de desconhecidos a algo tão íntimo e a própria dimensão dos espaços que obriga a limitar o número de visitantes — elementos que representam dificuldades acrescidas para a organização. Nas palavras da arquitecta e investigadora da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, “as pessoas que permitem o acesso às suas coisas mais íntimas revelam uma abertura intelectual imensa”, já que estão a transformar um espaço que é seu em algo “público, democrático e aberto ao outro”.

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Gonçalo Dias

De facto, “transformar” parece ser a palavra de ordem neste tipo de visitas e Joana consegue encontrar nelas outra alteração, desta feita no carácter originário deste tipo de edificação. “Os edifícios são desenhados com um determinado carácter e este vai ser transformado numa outra coisa, já que durante dois dias acabam por ser um objecto de visita, uma espécie de objecto museológico”, acrescenta.

A componente “cidade” não foi esquecida pelos curadores na hora de fazer escolhas, até porque “a casa é interpretada como arquitecturas que incluem, no fundo, a ideia de cidade, onde as pessoas circulam alheias à arquitectura. “O cidadão não está disponível no dia-a-dia para ver estes edifícios que lhe parecem banais”. O Open House vai ser uma oportunidade para o público ter contacto com o património arquitectónico não de uma cidade, mas de três: Porto, Matosinhos e Gaia — o que faz do evento o único a nível mundial a ser feito sobre três cidades.

Para além da preocupação dos curadores em levar o público para edifícios com cariz íntimo e a que dificilmente conseguiriam ter acesso a não ser através deste tipo de iniciativas, Joana e Nuno também tentaram descentralizar ao máximo a iniciativa, o que pode parecer um contra-senso dada a sua extensão geográfica. Mesmo assim, Nuno Valentim destaca os esforços que foram feitos no sentido de levar o Open House “para as margens”, como forma de encontrar “novas linhas que estão a ser enunciadas e que eventualmente poderão ser desenvolvidas”. Neste conjunto de escolhas inclui-se a Casa Bordic de João Pedro Serôdio. Para além da sua localização, em Arcozelo, destaca-se por ser o primeiro edifício ainda em construção a integrar os espaços contemplados no programa do evento.

Deste, e numa vertente totalmente diferente, fazem ainda parte construções há muito concluídas e que fazem parte do quotidiano das gentes do Porto, como é o caso do Coliseu Ageas. A sala de espectáculos é uma referência da invicta e o público tende a assoclá-la predominantemente ao fim para que esta foi projectada: a realização de espectáculos com milhares de espectadores. No entanto, não é assim que esta se encontra na grande maioria do tempo, daí que uma visita descontextualizada (como a que acontece durante este fim de semana dedicado à arquitectura) seja “uma experiência inusitada”.

Este mesmo adjectivo pode ser usado para descrever a inclusão de um consultório de psicanálise no roteiro, situação que Joana faz questão em esclarecer e com recurso, mais uma vez, ao mote que guia toda a iniciativa: a “interioridade”. “É uma experiência desafiadora e de interioridade máxima, já que se trata de um espaço onde supostamente entra o “eu” e mais ninguém.” Mas a arquitectura está lá e, ao contrário do que acontece com outras formas de arte (exposta através de representações), exibi-la implica “entrar no espaço e movimentar-nos nele e senti-lo”. No fim-de-semana do Open House, a escolha vai estar do lado do público e o difícil vai ser decidir que espaço sentir, até porque 51% deles são novidade no programa do evento e este constitui uma oportunidade inédita para o público os visitar.

Texto editado por Ana Fernandes

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