Porque marchamos?

Portugal pode vir a receber em 2022 o EuroPride. Este evento representa a comercialização do movimento (pinkwashing) com a falsa desculpa de estar a celebrar o “progresso”. As marchas são o caminho para a mudança.

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LUSA/PIROSCHKA VAN DE WOUW

No ano e mês em que se assinalam os 50 anos da Revolta de Stonewall, que ocorreu a 28 de Junho de 1969, levanta-se novamente a questão: porquê continuar a marchar? Porque saímos à rua para lutar por algo que aparentemente está conquistado e garantido? Por que razão faz (ou não) sentido marcharmos?

Para começar, uma marcha é uma manifestação pública, que consiste em ocupar a rua (espaço público) para reivindicar algo. É uma acção colectiva, é a democracia participativa. Nós, cidadãos e cidadãs, devemos ter uma participação mais activa na sociedade. A cidadania na rua significa isso mesmo. Exercer a cidadania é ter consciência dos seus direitos e deveres, garantindo que estes sejam colocados em prática. Passa por o cidadão e pela cidadã terem um papel activo.

O activismo é a militância por uma causa, é a transformação da realidade por meio de uma acção prática, ou seja, através de um protesto/manifestação. Ou seja, privilegia a acção directa através de meios pacíficos ou violentos. As marchas são políticas, são uma reivindicação. Cada marcha tem o seu manifesto político. As marchas servem para celebrar o que já se conquistou, recordar os que já morreram a lutar e conquistar o que ainda falta cumprir. O papel das marchas passa por transmitir uma mensagem e ajudar a construir o movimento social. Passa por consciencializar, mobilizar e despertar o pensamento crítico. Gritam-se palavras de ordem, há cartazes, bandeiras, símbolos, etc. Tudo isto são componentes fundamentais numa marcha que inspiram um protesto que se quer fazer ouvir pelos que não estão a marchar. É preciso convencer os olhares passivos e críticos de fora: “Sai do passeio e vem para o nosso meio.”

O ano de 2019 tem sido particularmente rico em marchas em Portugal, como a histórica Greve Feminista (8 de Março), as duas igualmente históricas Greves Climáticas Estudantis (15 de Março e 24 de Maio) e com as habituais marchas pelos direitos LGBTI+.

Todas estas lutas se cruzam: feminismo, clima, LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexo e outras identidades). O belíssimo cartaz da 14.ª Marcha do Orgulho LGBT do Porto exprime todo este cruzamento de lutas. Sob o mote “O Porto não se rende e o orgulho não se vende”, a marcha do Porto bate o pé firmemente e dá luz e esperança ao caminho que cada vez tem mais sentido, “a interseccionalidade das opressões e a importância do activismo para a reinvindicação do(s) Orgulho(s)”. Servem também de exemplo o cartaz da 2.ª Greve Climática Estudantil: “Agora que já estás de pé, não te voltes a sentar!” e o mote da Greve Feminista, organizada pela Rede 8 de Março: “Se as mulheres param, o mundo pára”. A interseccionalidade das lutas cruza várias raízes como o género, a orientação sexual, a raça, a etnia, a classe social, etc. O caso de Marielle Franco (1979-2018), feminista e defensora dos direitos humanos, é paradigmático. Marielle era mulher, negra, lésbica e favelada.

O movimento activista está a crescer e a fundir-se com as gerações mais novas. Mas ainda não é suficiente. Ainda há quem não se identifique ou que é contra este tipo de manifestações públicas. Sente-se uma fraca identificação com motes de luta, de política e de solidariedade. Ainda há uma certa passividade, ignorância e despreocupação. E há quem queira boicotar e ocupar o espaço das marchas. Passados 50 anos de lutas e conquistas de direitos LGBTI+ nunca foi tão urgente regressar às origens de revolta como hoje.

Focando apenas na temática LGBTI+ e visto estarmos em pleno mês de Junho, o mês do Orgulho (Pride), é de salientar que são cada vez mais as empresas duvidosas que transformam este mês numa época de consumismo de produtos revestidos com as cores LGBTI+ com o único objectivo de gerar lucro. Portugal pode vir a receber em 2022 o EuroPride. Este evento representa a comercialização do movimento (pinkwashing) com a falsa desculpa de estar a celebrar o “progresso”. O Pride é uma festa, uma parada, um desfile de marcas. São ocos, um vazio político que consiste em festejar o orgulho LGBT, sem reivindicar absolutamente nada. Ainda há tanto por lutar e o sistema capitalista, machista, xenófobo e patriarcal quer ocupar o movimento activista.

Em Portugal assinalam-se os 20 anos da primeira marcha, em Lisboa. Vinte anos depois Aveiro, Barcelos, Braga, Bragança, Coimbra, Faro, Funchal, Guimarães, Porto, Vila Real e Viseu também já marcham! As marchas são o caminho para a mudança. Porque nada está garantido e de um momento para o outro tudo pode desaparecer. É preciso ir para a rua, é preciso marchar todos os dias! Devemos marchar enquanto não estivermos todos(as) livres de qualquer tipo de opressão, ou seja, “não há orgulho para algumas(uns) sem a libertação de todas(os) nós”.

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