Amina Mohammed: Portugal pode lidar com ameaças de que a Europa tem medo

Amina Mohammed, vice-secretária-geral da ONU, explica que o pluralismo é uma forma de proteger a diversidade e ensinar o respeito pelos outros. “Porque uma economia não pode crescer excluindo pessoas até que não tenham nada a perder”.

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Amina Mohammed DR

Filha de pai nigeriano e mãe britânica, a vice-secretária-geral da ONU aplica diariamente os ensinamentos que trouxe da aldeia onde cresceu. Amina Mohammed esteve em Lisboa na semana passada para participar na conferência anual do Global Centre for Pluralism e da Rede Aga Khan. Ao PÚBLICO explicou o que significa para ela o pluralismo, e como Portugal pode contribuir.

Fugindo das definições oficiais, o que entende por pluralismo?

É uma palavra difícil de explicar, porque tem significados diferentes para cada pessoa. Para mim, significa diversidade, aplicar níveis de respeito e tolerância. Mas como é que adaptamos isto às nossas realidades, em comunidades, sociedades, numa família?

Em Portugal há problemas de pluralismo específicos?

Penso que existe aqui uma noção da História, que é muito rica, e está presente no tecido social, e por isso há muita solidez na reflexão sobre como lidar com a diversidade. Portugal tem um tecido [social] mais forte para lidar com muitas coisas com as quais a Europa se vê confrontada e sente medo. Espero que vejamos cada vez mais liderança portuguesa para tentar mostrar soluções para muitos dos desafios actuais e para não sermos tão atormentados pelo medo, pelo desconhecimento, pela intolerância. É algo que aprendemos todos os dias com o secretário-geral [da ONU] e com o que ele traz para as discussões.

Para além dessa força do tecido social, também são necessárias políticas públicas. Como se coordenam essas duas dimensões?

Pense-se numa família. Quando se discute a diversidade de uma família, enriquecemo-la quando nos afastamos do modelo típico. A minha família, por exemplo, era África a casar com a Europa. É preciso ter um conjunto de valores para perceber como podemos coexistir. O mesmo acontece com um Governo: é responsável pelo seu povo, e tem de compreender e reconhecer que povo é esse – e não apenas os naturais do país. Há também aqueles que a sua sociedade recebeu. É preciso criar políticas inclusivas, para que ninguém se sinta excluído ao ponto de se tornar um perigo para a sociedade. O Governo português, por exemplo, não deve sentar-se e dizer: ‘Vamos ver o que queremos fazer em relação à educação’. Bem, educação para quem e para quê? É preciso compreender a composição da sociedade.

Em alguns países europeus, certos sectores da sociedade rejeitam políticas que consideram que põem em causa a identidade nacional.

Acho que muita gente sente que o seu país os está a deixar para trás. Há um conjunto de valores nucleares que as Nações Unidas defendem. No entanto, ao nível local, os governantes têm de perceber quem é o seu povo, e quais as suas aspirações. Se não as conseguirem representar, então surgem os problemas que referiu. Não se pode partir do princípio de que se sabe o que é bom para o povo, sem ter uma conversa, sem excluir as questões deagradáveis... É preciso ouvir todos. É aí que há oportunidade para mudar uma opinião que pode ser xenófoba, agressiva, ou que destrua os valores básicos.

Há limites até onde pode ir o pluralismo e a diversidade?

O mundo não é homogéneo, um dos pilares básicos do pluralismo é perceber como se pode adaptar a cada ambiente. Há várias formas de chegar a esse objectivo de harmonia e paz. Não dizemos às pessoas para não viverem bem, não irem à Lua, ou que não tenham a maior mansão da cidade. Apenas dizemos para não o fazerem à custa dos outros. Uma economia não pode crescer excluindo pessoas a um nível tal que as leve a não terem nada a perder. Arrisca-se a causar uma calamidade.

Hoje dizemos que o terrorismo não tem rosto. Mas pensamos ‘Meu Deus, como é que aquela pessoa se tornou terrorista?’. O pluralismo tem um papel muito importante em ajudar-nos a evitá-lo. Na aldeia onde cresci, era óbvio para todos que tínhamos de respeitar-nos mutuamente, nunca julgávamos, porque na nossa religião apenas Deus é juiz. Pode ter-se uma opinião, podemos discordar, mas a vida continua.

Aplica muita dessa experiência da sua infância no trabalho diplomático?

Todos os dias. Olho sempre para os dois lados de uma história, porque vim de dois lados: um britânico e um nigeriano. São muito diferentes. Vim de um lado cristão e de outro muçulmano. Todos os dias procuro a justiça nas coisas, a equidade, é algo inato. E procuro sempre não magoar nem ofender. Parto do princípio de que toda a gente tem boas intenções.

Como é trabalhar nas Nações Unidas na era de Trump?

As Nações Unidas, para mim, são a nossa aldeia global absolutamente necessária, onde é possível ouvir a voz de todos. Alguns desafios podem ser resolvidos, outros não. É um trabalho contínuo. Muitas vezes depende em que mandato se está. Agora está o Presidente Trump, que seria diferente do Presidente Obama ou do Presidente Bush. Os Estados Unidos acolhem-nos, são os que mais contribuem para a ONU, acho que há um respeito saudável por isso. Eles pensam de forma diferente sobre o que deve ser e fazer a ONU, e em alguns casos concordaremos em discordar. Mas isso não acaba com o diálogo. Penso que o mais importante – e foi algo que aprendi com o secretário-geral – é manter o diálogo, avançar onde é possível obter progressos, e o resto das ondas navegam-se. A ONU vai continuar para além do nosso mandato, das nossas vidas, e o que podemos fazer é contribuir com uma peça que preencha aquela falha numa realidade que não é muito boa. A esperança é a nossa mercadoria. Não podemos desistir, é isso que António Guterres nos diz.

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