Arquitecto Massena e o caso Bolhão: nova queixa em tribunal contesta “desrespeito” da câmara

Autor de um projecto de reabilitação do mercado, de 1998, avançou com mais uma acção contra a autarquia. Projecto que aí virá será “o shopping do Bolhão”, critica. Câmara do Porto desvaloriza

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Vista aérea do mercado, que entrou em obras há pouco mais de um ano Nelson Garrido

Quando as obras de reabilitação do mercado do Bolhão avançaram, em Maio de 2018, o arquitecto Joaquim Massena ainda não teria recebido da Câmara do Porto nenhuma comunicação de que o contrato celebrado com o seu gabinete, no seguimento do concurso público internacional por ele vencido, havia sido quebrado. Essa notificação, aliás, nunca chegou, garantiu ao PÚBLICO. E isso demonstra uma atitude de “desrespeito por tudo e por todos” que não quis ignorar. Por isso, e pelos danos “profissionais, intelectuais e patrimoniais” causados por este processo, Massena intentou uma petição – a terceira relacionada com o Bolhão – contra a Câmara do Porto. A acção judicial, avançou a Agência Lusa, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto a 14 de Maio.

A Câmara do Porto destaca o facto de esta ser já a terceira “queixa” apresentada pelo arquitecto e desvaloriza a iniciativa: “Não se conformando com o facto de ter sido preterido para a elaboração do projecto para o mercado do Bolhão, não se tem cansado de apresentar queixas diversas em todas as instâncias que pode”, respondeu o gabinete de comunicação de Rui Moreira, sublinhando o desfecho das anteriores: “Até hoje, não teve ganho de causa em nenhuma.”

Joaquim Massena tem um entendimento diferente: “Não perdi nenhuma até hoje”, disse ao PÚBLICO já esta quarta-feira, depois de ter lido as respostas da autarquia. O arquitecto considera que a argumentação da câmara, dizendo que ele foi “preterido”, manipula a linguagem e não é verdadeira. O seu projecto, reforça, foi escolhido por um júri internacional e foi concretizado. “Depois o doutor Rui Moreira entendeu não o fazer, é diferente”. Nas duas primeiras participações, houve, em 2015, uma desistência depois de, ainda com Rui Rio nos comandos da autarquia, o seu projecto não ter ido avante. O arquitecto alegava plágio, mas como o projecto acabou por não se concretizar a participação foi anulada; a segunda participação está “ainda a decorrer e em segredo de justiça”, pelo que o arquitecto se furta a fazer comentários.

Antes destes dois momentos, em 2008, esclareceu também posteriormente Joaquim Massena, já tinha dado entrada na Assembleia da República uma petição de cidadãos com cerca de 50 mil assinaturas contra a demolição do mercado do Bolhão, algo que, considera, “está agora a acontecer”. A AR acabaria por promulgar um Projecto de Resolução onde defendia a preservação do mercado e aconselhava que os comerciantes fossem parceiros na reabilitação. 

O que está em causa nesta última petição? “Houve um concurso e um trabalho. E depois, sem saber por que razão, tudo foi alterado. O contrato é muito claro: ao ser quebrado sem comunicação ao autor, a câmara está a incumprir”, começou por explicar o arquitecto. O “desrespeito”, expressão repetida várias vezes por Joaquim Massena, aconteceu em vários momentos de todo o processo. E não é ele a única vítima.

Ao decidir encerrar o Bolhão para ali fazer as obras - cuja previsão de término é o próximo ano -, o executivo de Rui Moreira “destruiu” o gabinete onde o arquitecto trabalhava, comunicando-lhe apenas haver “um lixo” seu por retirar. E transferiu os comerciantes para um mercado temporário, instalado no centro comercial La Vie, “sem necessidade”.

A ideia de que era possível “operar num espaço vivo”, sem retirar as pessoas de lá, foi mostrada por Joaquim Massena numa tese de mestrado defendida em Madrid e transmitida no Porto. Mas essa hipótese nunca esteve em cima da mesa para Rui Moreira: “Não só lesou os comerciantes como o erário público. Estamos a falar de 40 ou 50 milhões e eu falava em 12,5 milhões.”

O projecto apresentado por Rui Moreira continua a merecer duras críticas do arquitecto. “Aquilo que vamos ter é o shopping do Bolhão”, lamenta: “A retirada das barracas, a cobertura translúcida, com um túnel faraónico que custa quase cinco milhões de euros e é de serviço a uma cave e não de ligação entre as Ruas Alexandre Braga e o Ateneu como nos têm dito.” Essa empreitada, diz, alterou a “morfologia da bacia hidrográfica, sob um terreno que está classificado”. E isso é uma bomba-relógio: “Temos ali um dique onde há água e as pessoas não estão a perceber o perigo que estão a correr.”

A preocupação com as intervenções no subsolo já haviam sido partilhadas por Massena e a Câmara do Porto já as tinha ouvido: “Recorde-se que uma das primeiras [queixas] visava a empreitada que desviou um curso de água no subsolo, já concluída com sucesso. Mas, no entanto, segundo assegurava o arquitecto Massena, o mercado do Bolhão iria ruir caso a obra fosse realizada”, escreveu a autarquia ao PÚBLICO mesmo sem ter sido questionada sobre este assunto em particular. “Não ruiu, como se sabe.”

A história completa, adianta Joaquim Massena, está por divulgar. Ainda que já esteja escrita. O arquitecto tem um livro pronto a publicar, onde recua mais de dez anos, à altura do concurso, e faz a cronologia dos acontecimentos até hoje. A divulgar em breve. 

Notícia actualizada a 19 de Junho, com esclarecimentos que o arquitecto Joaquim Massena quis prestar no seguimento das declarações da Câmara do Porto.

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