A infantilização dos homens

Independentemente de vir a ser considerado culpado ou inocente e de se saber se há ou não falsos testemunhos, Neymar parece representar uma geração de homens infantilizados pela bolha onde se inserem, não sabendo gerir obrigações, nem frustrações.

Depois de Cristiano Ronaldo, foi o futebolista brasileiro Neymar a ser alvo de uma acusação de violação. Ambos são celebridades globais e tudo o que fazem é motivo para as mais diversas leituras. Caberá à justiça avaliar os casos. Mas, para além do que poderá ter ou não sucedido, é possível fazer um balanço da forma como esses casos são vividos socialmente. E o diagnóstico é negro. No caso de Ronaldo, no meio da tormenta, apesar de tudo, ainda parece ter subsistido algum bom senso. Com Neymar algumas tangentes foram ultrapassadas. A imagem que perdura é a de um homem, do alto dos seus 27 anos, com um ambiente de paternalismo à sua volta.

Não são apenas familiares, amigos ou companheiros de actividade a potenciarem esse efeito. É a própria imprensa e alguns poderes a fazerem-no. Até o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, afirmou que, até agora, pelo que se viu, “Neymar é inocente”, atribuindo essa certeza à juventude do jogador e ao relacionamento pessoal que terá com a família deste. No meio do ruído o jogador foi imaturo, ao ter publicado conversas e fotografias íntimas da mulher que o acusa, tentando mostrar que foi alvo de uma “armadilha” e que “não aconteceu nada de mais”. O seu gesto mais não fez do que conduzir o caso para o campo moral. É como se quisesse mostrar que a mulher não é santa ou é uma manipuladora, como se a presunção de inocência de uma alegada violação pudesse ser proclamada através de uma exposição ética onde se utiliza a intimidade do outro. A questão começa precisamente aí, naquilo que fica implícito na utilização desse expediente.

Qualquer pessoa tem direito à auto-objectificação, à sexualização e à expressão do seu desejo de forma explícita, participando nos rituais de erotização de forma igualitária. Ao levar o assunto para o campo moral é como se homens como Neymar não aceitassem essa paridade. É como se a partir do momento em que uma mulher assume um lugar de igual no ritual do desejo — na troca de fotografias ou na insinuação erótica — para alguns homens o sexo passasse de elemento de mediação para ser apenas acção.

É como se partissem do princípio que se a mulher suscita o prazer ela tem de ir até ao fim. É como se tivessem sido provocados e a partir daí tudo lhes fosse permitido. A verdade é que qualquer pessoa, em que momento for, pode dizer “não” quando lhe apetecer. Não há “pulsões difíceis de controlar” e outros expedientes que sirvam de desculpa nestas ocasiões.

Mas eles estão sempre a ser reproduzidos. Num programa desportivo do canal RMC Sport, da TV francesa, dois comentadores acabaram suspensos depois de observações sexistas sobre a mulher que acusa Neymar. Sugeriram que não era bonita. Dessa forma foi percebida como mero objecto de desejo de um homem que, na fantasia deles, poderá ter qualquer mulher. O lema que desresponsabiliza é claro: porque é que alguém tão célebre precisa de violar quem nem sequer é atraente?

É quase sempre para este pântano que estes casos afluem. No caso de Neymar, é como se ele reforçasse a todo o tempo os estereótipos de mimado que se lhe colaram há muito. Não é por acaso que sempre que se vê envolvido em alguma polémica lá surge o pai a relativizar a conduta do “garoto”, que por sinal é rico, famoso e alvo de imensas solicitações o que, para alguns, parece servir de remição para algumas atitudes mais pueris.

Independentemente de vir a ser considerado culpado ou inocente e de se saber se há ou não falsos testemunhos — algo que a justiça e o tempo desvendarão —, Neymar parece representar uma geração de homens infantilizados pela bolha onde se inserem, não sabendo gerir obrigações, nem frustrações. E o pior é que daí surgem atitudes que não são excepção, mas a norma, um facto que se prova pela forma como são depois naturalizados pelo todo social.

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