Boris Johnson e o estado da democracia britânica

Boris é levado a sério precisamente porque não se leva a si próprio demasiado a sério. O humor, essa poderosa ferramenta de criação de empatia, tem-lhe permitido saltar de escândalo em escândalo sem prejudicar as suas hipóteses de chegar ao lugar de topo.

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Reuters/HENRY NICHOLLS

Está tudo a olhar para o Reino Unido de queixo caído: será mesmo possível que Boris Johnson seja escolhido como líder dos Conservadores e, por inerência, como primeiro-ministro?

No seu livro de reflexões Working, o biográfo Robert Caro conta como o conselheiro de Franklin Roosevelt e Lyndon Johnson, Thomas G. Corcoran, reagiu quando o autor lhe perguntou se não estava preocupado com a manchete do The Washington Post daquele dia, que o associava a um escândalo político. “É publicidade gratuita, miúdo, publicidade gratuita,” respondeu. “Desde que soletrem bem o meu nome!” Esta também seria uma preocupação de Boris, caso usasse o seu nome completo (Alexander Boris de Pfeffel Johnson).

A democracia sempre ofereceu solo fértil a personagens como as que agora enchem os ecrãs e os feeds. Mas apesar desta forte concorrência, continua a ser na democracia original, Atenas do século V a.C., que encontramos o padrão-ouro dos charlatões megalómanos: Alcibíades.

Uma das muitas histórias que se contam acerca deste jovem aristocrata tem a ver com o seu cão. Sem razão aparente, Alcibíades decidiu cortar-lhe a cauda. Quando lhe perguntaram se não tinha medo de isso lhe valer uma reputação de sadismo, Alcibíades respondeu que não, antes pelo contrário: “Quero que os atenienses falem disto, para que não digam coisas piores de mim.”

Boris já cortou várias caudas de cão. Há as mentiras e invenções em que foi apanhado, inclusive na campanha para o “Brexit”, e as muitas gafes como Foreign Secretary. E depois temos a extravagância estudada da própria figura: cabelo louro-quase-branco meticulosamente desgrenhado, permanente sorriso matreiro, fato azul amarrotado, montado na sua bicicleta, de mochila pendurada ao ombro.

Boris é levado a sério precisamente porque não se leva a si próprio demasiado a sério. O humor, essa poderosa ferramenta de criação de empatia, tem-lhe permitido saltar de escândalo em escândalo sem prejudicar as suas hipóteses de chegar ao lugar de topo. Os cínicos agradam-se com alguém que não finge ser o que não é e os mais prudentes desculpam-lhe os excessos pela aparente honestidade (“ele é mesmo assim...”). Afinal, só pode ser ao mesmo tempo tão patético e tão ambicioso quem é genuíno.

O mais grave na candidatura de Boris é a forma como apela agora ao instinto de sobrevivência do Partido Conservador. Após uma derrota estrondosa nas eleições ao Parlamento Europeu, ficando em quinto lugar a nível nacional face ao primeiro lugar do partido de Nigel Farage, Boris quer recuperar o voto eurocéptico com a promessa de “Brexit” a todo o custo, se necessário sem acordo, se necessário suspendendo o Parlamento para garantir que este não trava uma saída caótica no dia 31 de Outubro.

Se está ou não preparado para fazê-lo é outra história, mas é extraordinariamente perigoso que alguém que mostra um desrespeito tão violento para com o órgão de soberania que representa o povo esteja ainda assim a caminho de ser eleito pelos seus pares como líder do partido e do governo.

Alcibíades convenceu os atenienses a embarcar, sem provocação, numa aventura militar que condenou a cidade à derrota final às mãos de Esparta. A democracia levou milénios até se reabilitar da má reputação gerada pelo exemplo ateniense. Esperemos que Boris Johnson, que estudou Clássicos em Oxford e até já escreveu livros sobre a Grécia Antiga, preste muita atenção à carreira de Alcibíades e ao que pode acontecer quando abrimos a caixa de Pandora que é o discurso da ousadia nacional contra todos os factos da política internacional. 

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