Sim à Europa do Estado de direito

A Catalunha, como toda a Espanha, diz sim à Europa. E isso passa, em primeiro lugar, pela submissão de todos ao império da lei próprio do Estado de direito.

O conselheiro do Governo regional catalão, Alfred Bosch, publicou recentemente um artigo em que afirmava que, em Espanha, “aos deputados eleitos (catalães) e aos seus eleitores (...) foram-lhes negados os seus direitos democráticos e políticos por razões puramente políticas”.

O sucedido é bem diferente. As mesas da Câmara de Deputados e do Senado do Parlamento espanhol suspenderam a condição de parlamentares aos quatro políticos catalães, que estão actualmente em prisão preventiva à espera da sentença do Supremo Tribunal, depois de um julgamento por graves delitos celebrado com todas as garantias e total transparência, e cujas sessões foram transmitidas em directo.

Essas quatro pessoas foram autorizadas pelos juízes a recolher as actas de deputados e a participar na reunião constitutiva do Parlamento; a decisão posterior das câmaras, por indicação dos mesmos juízes, de suspender a sua condição de parlamentar, não obedeceu, como pretende o senhor Bosch, “a razões puramente políticas”, mas à aplicação da legislação processual espanhola baseada num relatório ponderado do serviço jurídico da Câmara de Deputados.

O senhor Bosch, a seguir, faz referência a outro caso: o de outros três candidatos que concorreram às eleições europeias, Oriol Junqueras (em prisão preventiva), Carles Puigdemont e Toni Comín (na actualidade fora de Espanha, fugidos à Justiça). Corresponde a cada um dos Estados-membros da UE notificar o Parlamento Europeu com a lista dos candidatos que satisfizeram as condições para serem proclamados formalmente. A legislação eleitoral espanhola prevê que para isso é preciso jurar ou prometer lealdade à Constituição espanhola, presencialmente e em Madrid, o que os senhores Puigdemont e Comín não desejam fazer, sem dúvida, para evitar prestar contas à Justiça espanhola. O senhor Junqueras, no entanto, poderia ser autorizado no seu caso a sair da prisão e cumprir o trâmite mencionado antes, mas essa é uma decisão que cabe ser tomada exclusivamente pela autoridade judicial espanhola competente, o Supremo Tribunal.

Todas estas pessoas viram ou podem ver limitados os seus direitos políticos não pelas suas ideias políticas, como dá a entender o senhor Bosch, mas sim pelos seus actos, supostamente delitivos. No Parlamento espanhol, como no Parlamento Europeu, estarão sentados outros deputados que poderão defender a independência da Catalunha sem nenhum problema, porque não está aberto contra eles nenhum processo por actividade criminosa nem estão processados ou acusados de nenhum delito.

O senhor Bosch, finalmente, refere um recente relatório – uma opinião não vinculativa – do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias do Conselho de Direitos Humanos. Espanha está firmemente comprometida com a defesa do sistema das Nações Unidas, no entanto, devemos manifestar a nossa profunda perplexidade perante a chamativa falta de rigor que se percebe em muitas das conclusões do documento desse grupo. Ignora-se, por exemplo, a existência em Espanha da divisão de poderes, própria do Estado de direito, ao reclamar ao Governo que se ponha em liberdade umas pessoas que se encontram em prisão preventiva à espera da sua sentença, uma decisão que, como em qualquer país democrático, compete unicamente ao Poder Judicial. 

Erguendo-se como juiz e parte, este grupo de trabalho dá, além disso, como provados supostos factos que estão a ser objecto de exame no processo que actualmente está no Supremo Tribunal, questionando assim a sua independência e excedendo o seu mandato ao afirmar que não existe base, não só para a detenção, como também para o próprio julgamento. O senhor Bosch esquece-se, no entanto, de mencionar a também recente resolução judicial do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), adoptada no passado dia 28 de Maio em Estrasburgo e que, contrariamente ao parecer do grupo de trabalho, é sim juridicamente vinculativa.

Nela afirma-se que, no Estado de direito, a própria lei é a garantia da democracia e que a resolução do Tribunal Constitucional espanhol que suspendeu a sessão do Parlamento catalão, de 9 de Outubro de 2017, na qual se pretendia proclamar a independência da Catalunha, estava prevista na lei e era “necessária numa sociedade democrática”, pois obedeceu ao fim legítimo de manter a segurança pública e de preservar a ordem constitucional.

Estou de acordo com o senhor Bosch que a Catalunha – como toda Espanha - diz sim à Europa. E isso passa, em primeiro lugar, pela submissão de todos ao império da lei próprio do Estado de direito, no qual não é admissível alterar a ordem constitucional por vias que não são legais nem democráticas. A Constituição espanhola, uma das mais descentralizadas do mundo e que outorga amplos poderes às diferentes regiões que constituem o Estado, estabelece o seu próprio sistema de modificação. Esse é o caminho correcto.

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