Governo nacionaliza a história macabra do SIRESP

Mesmo que permaneçam em aberto muitas dúvidas sobre valores, incumprimentos de contratos, transparência e probidade de muitos actores envolvidos, o que importa é que o sistema funcione e garanta a segurança pública

Incapaz de resolver o problema do SIRESP, o Governo decidiu revertê-lo para a esfera pública. Face a tudo o que aconteceu nos últimos anos, talvez não houvesse grande alternativa. O interminável rol de falhanços, de exemplares actos de incúria, de inadequação tecnológica ou até o arrogante assomo de uma empresa que chegou a ameaçar não prestar os seus serviços no momento em que são mais precisos, na época de incêndios, tornaram a situação insustentável. Sobra ainda assim uma consequência lógica: o Estado foi incapaz de impor ao longo de anos a qualidade de serviço prevista no contrato celebrado com privados. E uma certeza: mesmo que o preço para reverter na íntegra o SIRESP para o domínio público pareça “simpático”, ele esconde um rasto de perdas acumuladas ao longo de anos que o colocam na categoria do desastre financeiro.

O que está assim em causa é uma inevitabilidade provocada por anos sucessivos de facilitismo, conivência e irresponsabilidade de sucessivos governos em relação ao SIRESP. Ou, por outras palavras, o desfecho lógico de um contrato no qual os privados abusaram da passividade do poder público para receberem o que tinham negociado sem garantir o serviço a que se tinham obrigado.

É uma história de diversos capítulos que começa quando Daniel Sanches transita do grupo SLN, que integra o primeiro consórcio do SIRESP, para a condição do ministro e assina o negócio. E que continua quando António Costa, então ministro, o aprova uma segunda vez após um primeiro chumbo da Procuradoria. E prossegue com duas décadas de ineficiências trágicas e episódios pouco edificantes para a credibilidade do Estado. O acórdão recente do Tribunal de Contas que nega ao Governo o pagamento de 12 milhões de euros de equipamentos resilientes e redundantes, por acreditar que estes equipamentos deviam estar “contemplados no objecto contratual original” é afinal a prova acabada de que o SIRESP foi um logro.

Nacionalizar a sociedade é talvez a melhor forma de garantir um virar de página nesta lamentável saga. Mesmo que permaneçam em aberto muitas dúvidas sobre valores, incumprimentos de contratos, transparência e probidade de muitos actores envolvidos, o que importa é que o sistema funcione e garanta a segurança pública. Quanto ao esclarecimento de tudo o que se passou e ao desvelar da teia de responsabilidades que explicam esta história, ficaremos no lugar do costume: no meio da neblina de suspeitas que cada vez mais se adensa sobre os negócios públicos deste país.

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