O maior roubo da história da humanidade

Lutemos pelo clima como se o fim da sociedade fosse amanhã porque, para muitos, é.

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MIGUEL MANSO

Ou o idealismo tem sido cada vez menos ambicioso ou o ser humano tem perdido a sua humanidade. Julgava que o direito à vida era evidente, mas enganei-me, vivemos num mundo de sociopatas involuntários.

A tecnologia aproxima-nos da informação, mas afasta-nos da sua fonte primária: a experiência directa. Vivemos com cada vez mais informação mas cada vez menos empatia, com cada vez mais dados, mas com cada vez mais facilidade em descartá-los por superficialidades. O ser humano não evoluiu para a sobrecarga sensorial do quotidiano urbano, então filtramos tudo exceptuando os títulos sensacionalistas, ignorando até os jovens que protestam pelo clima à frente do nosso nariz. O que acontecerá se nos tornarmos imunes ao choque? Seremos a derradeira bactéria multirresistente?

Apercebi-me da causa disto: a progressão dos meios de comunicação é paralela à progressão da barbaridade humana. Há doze mil anos tínhamos pouco mais que conflitos rudimentares enquanto comunicávamos a cavalo, o jornal trouxe consigo as armas de fogo, a metralhadora surgiu próxima da disseminação do rádio e a televisão tornou-se num meio de divulgação chave na mesma altura que a bomba atómica foi inventada.

O aumento da informação expôs as fragilidades do que era mais fácil de aniquilar, que é hoje toda a humanidade, à distância de um botão. Considerando que actualmente temos acesso a ferramentas que tornam instantânea a partilha de informação, estará a humanidade próxima de produzir a sua última arma? A resposta é não. A derradeira arma do século XXI já existe e é uma ameaça intrínseca ao ser humano, um pecado moderno que já perdura desde a antiguidade: a apatia.

A média para as horas de trabalho num dia é relativamente igual há centenas de anos, mas actualmente há uma produção infinitamente maior. Naturalmente, todos nós, ao alimentar como escravos um cadáver adiado, chegamos a casa cansados e sem paciência para o mundo, caindo na apatia. Contudo, tal como o esforço laboral de há 200 anos não serve para a sociedade actual, a apatia de há 200 anos não serve para os dias de hoje, muito menos se queremos resolver ameaças à nossa espécie. Num mundo infinitamente mais exigente, mantemo-nos infinitamente iguais ao que éramos há 12 mil anos.

A máquina partidária sabe disto e aproveita-se desta arma para chegar a consensos fáceis e irrelevantes com palavras suaves. É assim que decorre a democracia actual e é por isso que hoje vivemos em emergência climática mundial e grande parte do mundo nem quer saber. Teríamos a mesma posição com a escravatura?

Há quem diga que “o mundo tem 12 anos até aos impactos das alterações climáticas serem irreversíveis e a sociedade colapsar”. Mas é facto que uma única morte é irreversível e que a sociedade já colapsa em mais que um local do planeta. Há países que são atingidos por furacões incessantemente, outros sofrem secas que privam adultos e crianças das suas necessidades mais básicas durante meses e, mesmo assim, a meta mais ambiciosa para tornar qualquer país 100% descarbonizado é o ano de 2050.

Como activista, apelo diariamente à razão pela qual os jovens quebraram a sua aparente rotina de apatia constante, à luta contra o maior roubo da história da humanidade, um roubo consciente e propositado: o roubo do nosso futuro. O quão indiferentes poderemos todos ser para com isto? Levantemo-nos e lutemos pelo clima como se o fim da sociedade fosse amanhã porque, para muitos, é.

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