Morreu André Midani, um astro na indústria fonográfica brasileira

Era um dos executivos musicais mais influentes dos anos de ouro da música brasileira e deixou nela a sua marca ao longo de décadas. Morreu quinta-feira à noite, numa clínica do Rio de Janeiro, vítima de cancro. Tinha 86 anos.

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André Midani na série televisiva Do Vinil ao Download (GNT, 2105) DR

Nasceu na Argélia, foi criado em Paris e tornou-se uma lenda no Brasil como um dos mais influentes (e querido por muitos músicos) executivos da indústria fonográfica brasileira desde meados do século passado. André Midani morreu na noite desta quinta-feira, 13 de Junho, na sequência de um cancro que lhe fora diagnosticado há quatro meses. Tinha 86 anos e estava internado na Casa de Saúde São Vicente, na Gávea, no Rio de Janeiro.

De seu nome completo André Calixte Haidar Midani, nasceu em Damasco, na Síria, em 25 de Setembro de 1932, mas foi criado em França desde os 3 anos. Por vontade da mãe, recorda-se agora nos obituários da imprensa brasileira, teria sido confeiteiro, mas o jovem André deixou-se encantar pelo jazz e aos 20 anos já trabalhava para a Decca francesa, primeiro como controlador de stocks e depois como vendedor de discos. Não foi mais longe porque, receoso de ser chamado a combater na guerra da Argélia, embarcou rumo à América do Sul, chegando ao Rio de Janeiro (cidade que viria a despertar nele uma paixão idêntica à que sentia pelo jazz) no dia 5 de Dezembro de 1955. E, aí chegado, não se deixou amolecer pela paisagem. Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, “no dia seguinte à sua chegada, pesquisou nas ‘Listas Amarelas’ quais as gravadoras existentes no país e se interessou pela Odeon. Telefonou para a gravadora, comunicando-se em inglês com a telefonista que, pensando tratar-se de algum funcionário da matriz européia, transferiu a ligação para a secretária do presidente. A funcionária agendou uma entrevista, durante a qual o equívoco foi desfeito e a conversa lhe valeu um contrato com a incumbência de lançar a marca Capitol no Brasil.” Estava lançado.

Dos alvores da bossa ao sucesso

Conhecendo já Tom Jobim, mais pelos arranjos que este assinava para a Rádio Nacional do que como compositor, começa a contactar com os músicos da linha de frente da bossa nova, onde se incluíam Carlos Lyra, Roberto Menescal, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli e Oscar Castro Neves, entre outros, e conheceu João Gilberto através de Dorival Caymmi. De parceria com Aloysio de Oliveira, apostou na bossa nova como música de juventude.

Um desentendimento na Odeon levou-o a sair da companhia, em 1960, fundando a Imperial, que vendia discos de porta em porta, e conseguiu estabelecê-la também fora do Brasil, em países como a Argentina, o México, o Peru e a Venezuela. O sucesso nesse seu novo empreendimento valeu-lhe um convite para instalar uma outra grande editora de discos, a Capitol, no México e depois em Los Angeles. E nela trabalhou até 1968, ano em que foi convidado para assumir a presidência da Philips (futura Universal) no Brasil.

O desafio, à época, era transformar uma empresa deficitária em lucrativa. E foi o que ele fez, no prazo que lhe deram (três anos): manteve as principais estrelas da editora (Elis Regina, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Os Mutantes, Edu Lobo, Ronnie Von, etc.), dispensou os restantes, cerca de uma centena, e contratou nomes como Maria Bethânia, Vinicius de Moraes, Toquinho, Tim Maia, MPB4, Chico Buarque, Jorge Ben (hoje Benjor), Evaldo Braga, Luiz Melodia, Jards Macalé e Raul Seixas, entre outros.

Sem fronteiras musicais ou geográficas

Não ficou por aí: convidado em 1976 a montar a Warner no Brasil, aceitou e contratou para a nova companhia mais um lote de nomes fortes: Elis Regina, Tom Jobim, Gilberto Gil, Belchior, Hermeto Pascoal, Paulinho da Viola, Ney Matogrosso, Baby Consuelo (no futuro, Baby do Brasil), Pepeu Gomes, A Cor do Som e a Frenéticas, entre outros. Já nos anos 1980, dando crédito ao BRock, ou rock brasileiro, que então despontava, contratou nomes como Lulu Santos e os grupos Titãs, Ultraje a Rigor, Ira! ou Kid Abelha. Mais uma vez, não se restringiu às fronteiras iniciais: estabeleceu a Warner na Argentina em 1985 e no México em 1986, mudando-se em 1990 para Nova Iorque, onde foi primeiro Presidente da Warner para a América Latina e depois Presidente da Warner Internacional. Em 2000 passou ao Conselho Consultivo e em 2002 voltou ao Brasil, deixando em 2006 a carreira musical. De Bem com a Vida, de Martinho da Vila, foi o último disco que produziu, antes de começar a fazer trabalhos sociais, colaborando assiduamente na ONG Viva Rio.

Testemunhos sentidos de uma ligação

O Dicionário Cravo Albin regista a sua eleição como uma das 90 pessoas mais importantes da história da indústria mundial do disco pela revista Billboard, e a sua escolha como Homem do Ano no Midem 1999. Foi também membro do conselho da Federação Internacional dos Produtores de Discos (IFPI) e presidente da IFPI latino-americana.

O seu livro Do Vinil ao Download (Ed. Nova Fronteira), lançado em 2008, deu origem em 2015 a uma série televisiva com o mesmo nome transmitida em 5 episódios, no GNT, realizada por Andrucha Waddington e Mini Kerti.

Figura fundamental na promoção da bossa nova, da Tropicália e do BRock, Midani tornou-se próximo de muitos músicos, que no dia da sua morte deixaram testemunhos sentidos de tal ligação. Foi o que fizeram, nas redes sociais, Gilberto Gil, Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Liminha, Sergio Britto, João Barone, Evandro Mesquita, Abdre Abujamra, Erasmo Carlos, Lobão, Marina Lima, Preta Gil, Mariana Aydar ou Emicida, entre outros.

Liminha, no Instagram, chamou-lhe “mestre dos mestres”: “Com ele aprendemos muito. Eu não teria feito tudo que fiz, sem seus ensinamentos e a liberdade que me deu para criar. A música no Brasil, não seria o que foi sem a sua presença, seu entusiasmo, seu olhar artístico, sua sensibilidade e sua firmeza de não permitir ingerências de fora.” Arnaldo Antunes, lamentando a partida do queridíssimo André Midani, retratou-o como “alegre, inventivo e afetuoso amigo e parceiro, que revolucionou com seu trabalho o modo de se conceber, produzir, distribuir, comercializar e curtir a nossa música popular.” E o rapper Emicida deixou este adeus no Twitter: “Mente valiosa da música feita por aqui. Obrigado por ajudar a colocar uma trilha sonora linda em alguns dos nossos maiores sonhos.”

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