A corrupção como consequência do capitalismo

O combate à corrupção passa inevitavelmente pelo combate ao capitalismo e às suas façanhas que nos fazem acreditar que um empréstimo de habitação é um luxo e um crédito sem garantias a um qualquer milionário é uma necessidade de mercado.

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A semana ainda vai a meio e já temos mais um caso de alegada corrupção sobre que discutir nos cafés. O meu repto é para que os moldes destas conversas não se cinjam ao clássico vernáculo e atira culpas, mas que alarguem o espectro para melhor se discutir e perceber o que origina estes crimes. Contudo, antes de prosseguir, gostaria de salientar que não acho Portugal um país especialmente corrupto.

Intenções declaradas, é tempo de perceber o porquê de tantos casos de corrupção, de comportamentos moralmente censuráveis e de poderes políticos subjugados aos poderes económicos. A razão primeva que origina a proliferação destes crimes é porque são fáceis de cometer, ou seja, com o sistema económico vigente é fácil viciar concursos, mascarar ganhos ilegais e movimentar capitais sem levantar suspeitas nos movimentos iniciais. Para os senhores que manobram o sistema é como que jogar às cartas com o baralho por debaixo da mesa, passando a mão para o jogador que entende e sem ter de abrir jogo para os restantes.

A carta é passada a presidentes de câmara, ministros e empresários, todos ligados por um interesse comum: o lucro. Não existe nenhum prazer mórbido em cometer crimes e agir à revelia da lei, uns dizem que não é defeito, mas feitio, numa tentativa de justificar o injustificável. A verdade é que a corrupção se rege exactamente pelo mesmo objecto que o capitalismo: o lucro máximo. Atentemos que é diferente falar em lucro e em lucro máximo pois este é aquele que não olha aos meios para retirar, em cada situação, o maior lucro possível independentemente do que deixa para trás. É do capitalismo selvagem que falamos e é ele o sistema vigente.

Berardo contraiu o empréstimo de 300 milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos não para adquirir mais quadros ou obras, mas para comprar acções de um outro banco, o BCP. A intenção de Berardo seria mesma dos que agora são indiciados de participação económica criminosa e corrupção no caso da empresa de Manuela Couto, ou seja, o lucro. Mais uma vez o lucro.

Não se trata da cunha pela cunha, do jeitinho e do facilitismo. Trata-se de um sistema que proporciona estas mãos invisíveis que contrariam Adam Smith, pois não agem no sentido da regulação do mercado antes no açambarcamento do próprio. O capitalismo levou à aceitação de muitas práticas que, embora legais, condicionam o decorrer da vida democrática do país, como as derivas irresponsáveis do sistema bancário e lança o mote para que outros o possam fazer fechando os olhos às eventuais ilegalidades.

É a promiscuidade entre o mundo económico-financeiro e o mundo político que lança o adubo na terra fértil da corrupção e dissemina a vontade insaciável do lucro rápido e fácil. Sim, a culpa é também individual, pertencente a cada indivíduo que se apropria do que não é dele, mas é sobretudo do sistema que a isso dá azo.

O combate à corrupção passa inevitavelmente pelo combate ao capitalismo e às suas façanhas que nos fazem acreditar que um empréstimo de habitação é um luxo e um crédito sem garantias a um qualquer milionário é uma necessidade de mercado. O capitalismo não é, nem pode ser, o fim da história principalmente porque seria um final muito triste.

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