Amadou & Mariam cantam a confusão que tomou conta do mundo

A dupla mais celebrada da música maliana traz a Lisboa, Évora e Braga, entre quarta e sexta-feira, as canções do novo álbum La Confusion.

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Desde que começaram a tocar juntos, em meados da década de 1980, os malianos Amadou Bagayoko e Mariam Doumbia foram dando voz às disfunções que os inquietavam no seu país. E cantaram tanto em defesa de um maior investimento na educação e da construção da democracia, quanto condenando guerras e intolerâncias profundas. Aos poucos, o mundo foi contactando com a música do casal, cuja base acústica, assente na versão maliana dos blues, se foi transformando e ganhando também um apelo global, mas as temáticas mantiveram-se dentro do mesmo espectro. Não porque lhes faltasse imaginação para encherem de outros versos as suas canções, que ouvimos igualmente como uma celebração da cultura local, mas porque os grandes problemas do Mali e de grande parte do continente africano iam persistindo.

À medida que foram correndo o mundo e que o planeta passava uma e outra vez à volta do sol, Amadou & Mariam aperceberam-se porém de que, afinal, aquilo que os preocupava no Mali é extensivo a todos os territórios imagináveis. Cada vez mais. E por isso quando, em 2017, gravaram La Confusion a sua perspectiva já não era apenas regional. “A confusão que cantamos no último álbum”, reconhece Amadou Bagayoko ao telefone com o PÚBLICO, “é a confusão que está espalhada por este mundo cheio de conflitos, de guerra e de incompreensão”. “Claro que há muitos problemas por resolver em África, com mudanças políticas boas e más”, aponta “mas há também muitos problemas com populações desiludidas e deslocadas” que, bem o sabemos, não são um exclusivo africano.

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HASSAN HAJJAJ

“É a confusão por todo o lado/ É a ilusão por todo o lado/ É a divisão por todo o lado”, cantam no tema-título de La Confusion, álbum que apresentam em Portugal numa pequena digressão de três datas: quarta-feira, dia 12, no Teatro da Trindade, em Lisboa; quinta-feira, dia 13, no Teatro Garcia de Resende, em Évora; e sexta-feira, dia 14, no Theatro Circo, em Braga. La Confusion é o mais recente tomo de uma discografia que, desde 2004, tem sido trabalhada com produtores sediados em França ou em Inglaterra: primeiro Manu Chao, depois Damon Albarn e Marc Antoine Moreau (este em Folila, álbum carregado de participações de gente como os Yeah Yeah Yeahs, os TV on the Radio ou Santigold), agora Adrien Durand. “É difícil”, admite Amadou, manter viva a linguagem do duo quando se colocam nas mãos de músicos vindos de universos tão distintos. “Temos de controlar a música entre os dois para que não perca a sua identidade e a sua originalidade, e tenha também alguma modernidade.”

Nas mãos de Durand, produtor ligado ao grupo Bon Voyage Organisation, a música de Amadou & Mariam ganha características soul e funk, claríssimas no tema de abertura Bofou safou. Essa canção, mais espevitada do que é habitual no grupo, “fala de dar coragem às pessoas”, explica Amadou. “Diz-lhes que não devem cruzar os braços e devem exigir algo da sociedade. No fundo, quer dizer que não podemos vir a este mundo para não fazer nada; é preciso ligarmo-nos aos outros e agirmos em conjunto.” Mas que este apelo não se confunda com uma passiva mensagem de esperança. “Mais do que ter esperança, é preciso criar esperança”, sublinha o músico.

Essa preferência pela acção escuta-se, por exemplo, em Femmes du monde, tema em que Amadou & Mariam assinam “uma homenagem a todas as mulheres do Mali, de África e do mundo”, “as mulheres que trabalham de manhã à noite”, lembra o cantor e guitarrista. A esse grito pela igualdade junta-se ainda C’est chaud, relato de histórias de migração, de viagens precárias por mar tentando alcançar a costa europeia. Se muitas destas narrativas não serão estranhas a ouvidos ocidentais, Amadou Bagayoko acredita que nas canções em que os dois dão conta do “nomadismo ou da solidariedade africana” há algo que escapa ao entendimento comum que os europeus têm das vidas dos auto-exilados oriundos de África. “Os africanos vêm para a Europa e trabalham muito para poder enviar dinheiro para a família, escolarizar as crianças que ficaram e permitir um maior equilíbrio social.”

Também Amadou & Mariam passaram a residir maioritariamente em Paris. No seu caso, porque é mais fácil viajar para todo o mundo e cumprir uma requisitada agenda de concertos a partir de um grande aeroporto internacional. O que levou também a que o contacto com as novas propostas da música com raiz africana, mas produzida a partir do exterior, lhes abrissem novos horizontes. Se bem que para Amadou nada bate uma boa guitarra de rock – nem mesmo uma canção de Rihanna, uma das vozes que não se cansa de ouvir.

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