Marcelo não tem culpa da crise na direita

Não é fácil a mesma área política ter dois líderes carismáticos e populares. Mas não é impossível.

A ideia de que Marcelo Rebelo de Sousa é uma espécie de eucalipto, que seca tudo à sua volta, pode até ser uma boa metáfora para o seu estilo presidencial, mas não justifica a crise vivida à direita, nem o responsabiliza por ela. Se o PSD, ou uma coligação PSD-CDS, ganhassem as legislativas em Outubro, não seria a primeira vez que um partido venceria as eleições tendo um presidente da sua cor política em Belém.

Quando Pedro Passos Coelho foi escolhido para São Bento, o Presidente era Cavaco Silva. Quando José Sócrates chegou ao poder, Jorge Sampaio era chefe de Estado. E António Guterres também conseguiu ser reeleito quando Jorge Sampaio cumpria o seu primeiro mandato em Belém. A célebre ideia de que as galinhas não põem os ovos todos no mesmo cesto - como analogia para os portugueses que supostamente não põem os votos no mesmo partido ou área política em legislativas e presidenciais - foi ultrapassada nas três ocasiões atrás referidas.

Ainda assim, conseguir um primeiro-ministro e um Presidente da República em simultâneo nunca foi um sonho fácil para a direita. Era o grande desejo de Francisco Sá Carneiro que só Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho conseguiram cumprir, entre 2011 e 2015, com a ajuda de Paulo Portas. “Uma maioria, um primeiro-ministro, um Presidente.”

Chegado a 2019, o PSD tem um Presidente da República oriundo da sua área política em Belém, mas parece cada vez mais longe da maioria e, sobretudo, da chefia do Governo. E a culpa é de Marcelo Rebelo de Sousa, como se vem repetindo? Não creio. Por mais que a sua personalidade absorvente e omnipresente ocupe muito espaço político, é um espaço diferente. A verdade é que Marcelo tenta ocupar o vazio, esteja ele onde estiver: à esquerda ou à direita. Mas ele só precisa de o ocupar se ele existir.

O Presidente até pode assumir-se como líder natural da direita numa altura em que a direita parece não encontrar uma personalidade que a galvanize ou que lhe dê um rumo, mas os eleitores sabem a diferença entre legislativas e presidenciais, entre primeiro-ministro e Presidente da República. Tenho um filho que está a terminar o quarto ano agora - 10 anos, portanto - e que já aprendeu, como matéria que faz parte do programa escolar, a organização do sistema político português. As crianças de 10 anos sabem a diferença entre Presidente e primeiro-ministro. 

Coisa bem diferente é concluir que a direita não tem hoje capacidade para gerar dois líderes para dois cargos diferentes, como gerou Cavaco Silva e Passos Coelho (ou como a esquerda gerou Jorge Sampaio e José Sócrates). Mas isso não é problema de Marcelo. Aliás, se Marcelo quisesse, com a popularidade que tem, podia até patrocinar um líder de sucesso à direita. Mas não tem obrigação de o fazer, como Cavaco Silva não teve. 

Se a direita não encontrar forma de recuperar a força perdida, de se regenerar e de se apresentar como a alternativa desejável aos olhos dos portugueses, não pode desculpar-se com o facto de que Marcelo Rebelo de Sousa não deixou. O espaço político e mediático ocupado pelo Presidente da República não é comido ao espaço político e mediático ocupado pelo primeiro-ministro (como tão bem demonstra a dupla Costa-Marcelo). Haja empatia e capacidade de liderança.

Não é fácil a mesma área política ter dois líderes carismáticos e populares. Mas não é impossível. Ou alguém duvida de que Guterres ganhava as presidenciais de 2021 se deixasse as Nações Unidas e, por um acaso, Marcelo não se recandidatasse?

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