Macau aprova lei que prevê três anos de prisão para quem difundir “notícias tendenciosas”

Deputados, jornalistas e advogados alertam para a subjectividade da lei e para a possibilidade de restringir a liberdade de expressão.

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CARMO CORREIA/Lusa

 A Assembleia Legislativa de Macau aprovou nesta segunda-feira a proposta de lei de bases da protecção civil que criminaliza a difusão de “notícias falsas, infundadas e tendenciosas” com penas até três de prisão.

A proposta, que mereceu críticas das associações de advogados e jornalistas, foi marcada pelos reparos sobre o artigo 25.º, em especial por parte dos deputados pró-democracia. Sulu Sou, José Pereira Coutinho e Au Kam San consideram a redacção do artigo subjectiva.

“O que significa este termo, notícias tendenciosas?”, como é que a população pode “evitar cair na ‘armadilha’ e não ir parar dois anos à prisão?”, perguntou o único deputado português na assembleia, José Pereira Coutinho, ao secretário para a Segurança, Wong Sio Chak.

Já Sulu Sou pediu “prudência” ao Governo de Macau que, defendeu, deve assumir “uma atitude de abertura” na finalização deste processo, que ainda vai ser discutido na especialidade.

“O Governo vai restringir a liberdade da população”, disse por sua vez Au Kam San.

Em resposta, o secretário para a Segurança garantiu que “não está em causa a liberdade de expressão”, mas sim a necessidade de assegurar “a segurança pública”. “O impacto de rumores, com a evolução das redes sociais (...), é hoje mais grave”, disse, para justificar o esforço de “manter a fluidez das mensagens nos canais” com o qual se procura responsabilizar as pessoas em casos nos quais se determine que existiu dolo.

Em causa está o artigo 25.º sobre “crimes contra a segurança, ordem e paz públicas em incidentes súbitos de natureza pública”. No texto, prevê-se uma pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias a “quem, após a declaração do estado de prevenção imediata ou superior (…) e enquanto o mesmo se mantiver, em benefício próprio ou de terceiro, ou por quaisquer outros motivos que possam perturbar a cessação ou o alívio do estado declarado ou a tranquilidade pública, elaborar, difundir ou transmitir notícias falsas, infundadas ou tendenciosas relativas a riscos, ameaças e vulnerabilidades, perante incidentes súbitos de natureza pública, bem como relativas às operações de resposta”.

A pena de prisão pode chegar aos três anos “se causar efectivamente pânico social ou inquietação pública, ou ser susceptível de causar grave pânico social ou inquietação pública”, se “causar constrangimento, obstrução ou restrição na acção das autoridades da administração pública, de particulares ou terceiros”.

A mesma moldura penal verifica-se caso seja “susceptível de criar a convicção errada de que tais informações têm origem nos serviços públicos ou entidades da estrutura de protecção civil” ou do “autor das informações ser elemento integrante das operações de protecção civil”.

A 20 de Maio, a Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) manifestou “perplexidade e grande preocupação” pela “natureza vaga e subjectiva de expressões e conceitos utilizados”, como “notícias falsas, infundadas e tendenciosas”.

A AIPIM alertou que a redacção do artigo representa “um risco ao nível da liberdade de imprensa, independência editorial dos órgãos de comunicação social e jornalistas e do direito dos cidadãos à informação, podendo criar de um clima de inibição do papel dos jornalistas após declaração do estado de prevenção imediata”.

A associação lembrou que “a formulação relativa a “notícias falsas, infundadas e tendenciosas” nunca foi referida durante a consulta pública, que decorreu entre Junho e Agosto.

Na proposta votada na generalidade, o crime de “falso alarme social”, proposto inicialmente, passou a designar-se de “crime contra a segurança, ordem e paz públicas”.

A 16 de Maio, em declarações ao jornal Ponto Final, o presidente da Associação de Advogados de Macau alertou ser “muito importante definir bem os conceitos” de notícias falsas e tendenciosas”.

“Numa cultura de liberdade há uma tolerância maior para o que é perigoso socialmente e não é. Numa cultura restritiva e de controlo de ideias e pensamentos é mais perigoso, porque qualquer coisa pode servir de pretexto para criminalizar”, disse Jorge Neto Valente.

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