O que interessa é a caixa

Existe uma tendência para acreditarmos ser certa uma informação que vem reforçar aquilo em que previamente acreditamos e errada quando esta expõe um ponto de vista contrário ao nosso.

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Taras Shypka/Unsplash

Vivemos tempos perturbados e perturbadores, onde a verdade e a mentira se misturam. Hoje, generalizou-se o pensamento: “É a minha opinião, logo é a verdade!”. São as chamadas fake news. Sempre existiram mentiras, são tão antigas como a humanidade. O boato é uma característica humana. A questão que se levanta é o facto de, hoje, estarmos a viver um outro paradigma, consequência de um capitalismo selvagem, onde o critério da verdade é o indivíduo e o mercado.

Esta ideia leva a uma espécie de obscurantismo. A centralização no indivíduo, o timbre narcísico, a vontade de definir o “meu eu” como o “eu absoluto” é uma das marcas da sociedade contemporânea. Quando a nossa capacidade de crer não é temperada com uma capacidade de duvidar, corremos um sério risco de achar que as nossas posições são as únicas verdadeiras, as únicas que têm validade e que todas as outras estão erradas.

Quando temos muita informação, pensemos nas redes sociais digitais, tendemos a filtrar essas informações não de acordo com a sua veracidade, mas de acordo com a nossa vontade individual de acreditar nelas. Existe uma tendência para acreditarmos ser certa uma informação que vem reforçar aquilo em que previamente acreditamos e errada quando esta expõe um ponto de vista contrário ao nosso. Este tipo de atitude é natural: afinal é sempre melhor estar certo do que estar errado.

Não obstante, devemo-nos lembrar que do quotidiano faz parte o erro, corrigir posições faz parte do crescimento. Saber reconhecer a oportunidade no erro é uma capacidade capital. O primeiro passo para evitar um dogmatismo é questionarmo-nos sobre se realmente sabemos aquilo que achamos que sabemos. Questionarmos e filtrarmos a informação que nos chega é, cada vez mais, um acto essencial. Quanto mais a informação nos é próxima, quanto maior é a nossa afeição ao tema de que esta trata, maior será probabilidade de a compartilharmos sem que previamente façamos uma reflexão cabal sobre o seu conteúdo, as suas fontes e a sua autenticidade. Esta automatização inconsequente pode ter consequências nefastas e, até, perigosas.

Existem métodos que podem ser úteis para filtrar as fake news. O primeiro é a desconfiança como método: uma das prerrogativas do pensamento científico é não confiarmos numa informação que nos é dada só pelo facto de nos ter sido dada. Devemos desconfiar sempre de tudo, inclusive de nós. Nessa lógica da dúvida metódica, quando duvidamos daquilo em que acreditamos estamos a admitir que podemos estar equivocados. Isso leva-nos a questionar os nossos pressupostos e, com isso, abrir espaço a outras opiniões. Não sendo necessário criar “factóides” ou espalhar “factóides” sobre determinada situação ou alguém para defender o que eu penso.

Outro aspecto que pode ser interessante e servir como filtro às fake news é lembrarmo-nos de que tudo é uma narrativa. Quando alguém narra algum acontecimento, pode enredar as pessoas nessa narrativa. Assim, é prudente desconfiar de boas narrativas e perguntar quem é beneficiado com aquela informação.

Não podemos esquecer que somos levados a escolher as linhas editoriais com as quais nos identificamos. Para evitar o afunilamento da informação que nos chega, devemos ampliar as fontes de sustentação da nossa opinião, desconfiar daquilo que nós próprios criamos como opinião e, ao mesmo tempo, não esquecer que estamos constantemente a criar uma narrativa para explicar alguma coisa. Assim, seremos mais facilmente capazes de distinguir o que é verosímil do que é inverosímil.

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