Escolas norte-americanas acusadas de censurar discursos de estudantes sobre a crise climática

Um movimento formado por estudantes – chamado Class of 0000 – tem influenciado os oradores dos discursos de formatura a apelarem a mudanças relacionadas com as alterações climáticas, mas alguns alunos têm visto os seus discursos censurados por se tratar de um tema “demasiado político”.

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EPA/FELIPE TRUEBA

Algumas escolas e faculdades espalhadas por todo o território norte-americano estão a ser acusadas de censurar as mensagens dos estudantes sobre a crise climática durante os famosos discursos dos jovens na formatura. 

Segundo a tradição norte-americana, durante a cerimónia de festejo da conclusão de qualquer grau de ensino, seja ele primário, secundário ou universitário, e durante a entrega dos diplomas de conclusão daquele ciclo, as turmas elegem um orador que discursa perante a plateia. Um discurso que, por norma, é uma espécie de adeus àquela etapa da sua vida. No entanto, há quem escolha discursar sobre um tema da actualidade, que tenha influenciado o seu percurso escolar ou que possa vir interferir no seu futuro, como é o caso da crise climática.

Foi precisamente por esta razão que um movimento liderado por jovens encorajou os oradores escolhidos pelas escolas e faculdade do país a lerem um texto nas suas cerimónias de formatura que adverte para as “mudanças climáticas catastróficas” e pede claramente aos líderes políticos que “tracem um plano para chegar a um patamar de emissões zero” ou, caso não o façam, que esperem “obter 0% dos nossos votos”.

O movimento Class of 0000 inspirou-se nos protestos dos estudantes que têm acontecido durante os últimos meses um pouco por todo o mundo. O objectivo é que os alunos usem a cerimónia não para festejar o encerrar de um ciclo ou para comemorar a sua entrada na vida adulta, mas para apelar ao governo norte-americano que faça algo em relação às suas políticas relacionadas com as alterações climáticas. 

Robin Happel, natural do Tennessee e oradora escolhida para discursar na cerimónia de formatura da Universidade Fordham, em Nova Iorque, conta à revista Quartz que só queria que o seu público pensasse no pouco tempo que tem para agir e resolver o problema. No discurso que fez no final de Maio, Happel só pensava nos verões quentes que têm assolado Nova Iorque, recorda.

“As mudanças climáticas afectam-nos todos, mesmo que de formas diferentes e com magnitudes diferentes. Secas, inundações, má qualidade do ar, poluição. Tudo afecta o ambiente e está tudo relacionado com as mudanças climáticas”, refere.

Nas redes sociais, a campanha está a incentivar os estudantes e todos os cidadãos que se relacionem com o tema a fazerem publicação que encorajem os políticos e candidatos às eleições de 2020 a agirem.

Para Happel, especialista em estudos ambientais e cujos pais são biólogos, as mudanças climáticas sempre estiveram no seu radar, mas o assunto tornou-se pessoal no último ano quando o furacão Florence inundou a casa dos pais no Tennessee. O mesmo aconteceu noutros estados, assolados por diferentes tempestades.

Discursos censurados

Mas se para Happel foi fácil fazer passar a sua mensagem, outros estudantes não estão a ter a mesma sorte. Mais de 350 jovens que se apresentaram como oradores nas últimas semanas, e que planeavam abordar o problema, afirmam que algumas figuras das suas escolas e faculdades os impediram de o fazer uma vez que o tema da emergência climática global é considerado político demais para ser mencionado num discurso de formatura. 

De acordo com o artigo do The Guardian desta sexta-feira, Emily Shal, uma estudante de 18 anos, foi informada pela sua escola que a mensagem climática era “muito controversa” para estar no discurso de formatura. Shal já tinha lido o discurso perante a escola numa ocasião anterior e afirma que recebeu reacções negativas por parte das autoridades escolares.

“A administração da escola ficou zangada. Estava toda a gente a dizer que eu era desonesta e rebelde e que ia ter problemas por causa do discurso. Fiquei com medo das repercussões das minhas palavras”, diz a jovem que frequenta a secundária de Whittier Tech no estado de Massachusetts ao jornal britânico. 

Com receio de ser expulsa do palco caso discursasse sobre o clima, Shal decidiu pedir desculpas e cumprir a exigência da escola de não mencionar a crise climática, mesmo com o apoio da maior parte dos seus colegas de turma que consideram o clima um “tópico gigante” que precisa de ser abordado. “A escola acha que é uma questão política que não deve ser levantada”, disse a jovem. “Mas a liberdade de expressão foi anulada. Estamos a destruir a nossa casa, a Terra, e essa deve ser a nossa principal preocupação. Mas não é.”

Jessica Lopez, outra estudante de 18 anos, foi informada pela directora da Faculdade de Ciências da Saúde de San Diego, na Califórnia, que não devia mencionar as mudanças climáticas no seu discurso e, em vez disso, “deveria estar a comemorar as conquistas dos estudantes”, numa discursos mais “tradicional de formatura”.

O tema das alterações climáticas têm-se tornado um tema controverso nos Estados Unidos, com os jovens a sair à rua para apelar à mudança enquanto Donald Trump rejeita a ideia de que o problema sequer exista. Recentemente, os EUA abandonaram o Acordo do Clima de Paris porque o Presidente dos Estados Unidos o considerou “um mau negócio". O pacto para combater o aquecimento global, através da redução das emissões de gases com efeito de estufa, foi subscrito por 195 países do mundo e entrou em vigor em 2016.

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