Malhada do Cervo, uma aldeia parada no tempo mas que não pára

O leitor Tomás Lopes partilha a sua experiência nesta aldeia de Castelo Branco.

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Aposto que nunca ouviu falar de Malhada do Cervo. E, no entanto, neste pequeno fragmento de Portugal, onde não há Internet e ainda se utiliza o burro como meio de transporte, está guardada uma boa ilustração da alma da nossa vida agrícola.

Esta aldeia, que está na raiz da minha família materna, pela parte do meu avô, fica a cerca de vinte quilómetros de Castelo Branco, na freguesia de Sarzedas. É quando cá venho que me liberto da rotina citadina e me entrego aos hábitos impostos pelos habitantes quase centenários da aldeia. Com efeito, juventude é algo que não se deve esperar encontrar em Malhada do Cervo, ao contrário de sabedoria e raciocínio, que abundam.

Nas pequenas casas de xisto, construídas com amor e não pouco esforço, os proprietários recebem-nos com simpatia indescritível, mas apenas das nove horas da noite até às cinco da madrugada, pois que, se for outro o horário, haverá sempre alguma tarefa a fazer: passear o gado, cavar a horta, semeá-la, cultivá-la, regá-la… Nos extensos campos semeados é possível vermos de tudo um pouco. Os raros habitantes andam todos os dias a cuidarem do que os alimenta, tantas vezes a entreajudarem-se.

De repente, deparo-me com um rebanho a vir na minha direcção. Decido ir atrás das cabras para perceber um pouco mais acerca destes animais. São da ti Maria Delfina, durante muito tempo a responsável pela comunicação na aldeia, já que detentora do único telefone das redondezas. Como estamos na Beira interior, todas as senhoras são “ti”. E também há o “tezé”.

Não falta o que nos fascine, mas, acima de tudo, toca-nos a união dos habitantes, que têm locais específicos para conversarem. A ribeira, no meio da aldeia, era onde, em tempos, se encontravam as mulheres para lavar a roupa e tagarelar. Conversar com os habitantes de Malhada do Cervo é estimulante, pois eles têm sempre histórias para contar e uma sabedoria que acumula o conhecimento de várias gerações. Enfim, comprovamos pela enésima vez que um elevado nível escolar não é sempre uma condição para se ser culto e sagaz.

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Ao percorrermos as ruas, alcatroadas recentemente, é possível cruzarmo-nos com várias espécies de animais. Muitas vezes é por sua causa que as culturas ficam destruídas. Os javalis, sobretudo, desesperam as gentes da aldeia. Após investirem tanto trabalho no campo, é triste verem esse trabalho perder-se.

O que mais me impressiona é que, apesar de tudo, e também das reformas exíguas que recebem estas pessoas, a felicidade reina nesta aldeia da Beira interior.

Tomás Martinho de Almeida Lopes

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