Passo maior que a perna e pernas cortadas

Como pode o ministro Centeno falar de passo maior que a perna se o ministério que tutela corta as pernas aos portugueses no sentido de que, em 2019, os direitos sociais mínimos dos portugueses não são em grande medida respeitados?

António Costa e Mário Centeno, sempre que invocam a necessidade de cumprir as regras referentes ao défice e ao Pacto de Estabilidade (?) para rejeitar reivindicações justas de grupos sócio-profissionais, fazem-no recorrendo à velha e gasta ideia de que não se pode dar um passo maior que a perna e com este argumento ad terrorem tudo se esgota, pois, de um lado, ficam os certinhos e poupadinhos e, do outro, os gastadores inveterados, os estroinas, os tais que gastam balúrdios em mulheres e vinho...

Vale a pena olhar para os passos que se dão e ter consciência do peso substantivo subjacente ao referido “argumento”.

Os portugueses que adoecem e são depositados em refeitórios em vez de uma enfermaria sentirão o quão mal vai a sua vida e como o passo é bem menor que a perna.

Será justo invocar a triste ideia de o passo ser maior que a perna se nos períodos de disseminação do vírus da gripe os portugueses ficarem internados nos hospitais do SNS em macas de bombeiros e nos corredores dos hospitais?

É inacreditável que quem precise de uma consulta médica tenha de aguardar vários meses para que ela tenha lugar. Como se pode levianamente falar de passos grandes quando é tão pequeno o que se pretende – uma consulta...

Quem precisar de uma certidão de registo criminal e tem de passar 12 horas ou mais numa fila, perdendo um dia de trabalho, nunca admitirá que o seu passo seja maior que a perna. É aviltante ter de ir para uma fila de centenas e centenas de metros para aceder a uma certidão que demora segundos a ser impressa.

Quem more na margem esquerda do Tejo e tenha que penar todos os dias para lutar (sim, lutar) por conseguir um lugar no barco olhará para as suas pernas e lamentará que os seus passos para Lisboa e da capital para casa sejam tão curtos que não lhe permitam fazer a viagem, ou a faça em condições a roçar o desumano. Estranhará que seja preciso lutar com outros concidadãos para poder entrar no barco, pois se não o fizer arrisca-se a ficar na margem, como um marginalizado pelo Estado que de incúria tanta não é capaz de assegurar passagem a quem vai trabalhar...

E os que querem chegar por via-férrea a Lisboa ou outras grandes cidades agoniam em carruagens superlotadas e gastas de tantos anos, iniciando e terminando o dia de trabalho em estado de grande inquietação. Que importará o pedido de desculpas se a vida precisa do mínimo dos mínimos, o de assegurar por parte do Estado que as carruagens chegam e partem para transportar os que delas necessitam?

Há distritos em que os cidadãos, para terem acesso à Justiça, têm de fazer 50 ou mais quilómetros e caso não tenham viatura própria terão de ir de véspera em transportes rodoviários... e dormirão onde?

É esta a triste realidade de um país cujo governo PSD/CDS privatizou a ação executiva e este Governo não reverteu a situação. Ou seja, é curto o rendimento para pagar ao agente de execução porque o Estado se quis ver livre de encargos cortando as pernas aos seus cidadãos.

Um maquinista da CP espera desde outubro passado para aceder à carta de condução porque o Estado recusa ter meios para responder a uma necessidade imperiosa dos seus cidadãos.

E aqueles professores que para poderem continuar a lecionar têm de ir trabalhar para escolas a mais de cem quilómetros do local de residência?

Como pode o ministro Centeno falar de passo maior que a perna se o ministério que tutela corta as pernas aos portugueses no sentido de que em 2019 os direitos sociais mínimos dos portugueses não são em grande medida respeitados?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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