Não é um ET, é um OVNI gigante

Na cabeça de Rio, a ambição do PSD é ter o mesmo papel que o PCP ou o BE.

Nas eleições legislativas de 1999, PS e PSD juntos reuniam 84,9% dos votos. Nas últimas legislativas, ficaram perto dos 60% (descontado o valor do CDS com quem o PSD concorreu em coligação). De 1999 para cá, tivemos vários Governos de PSD e CDS (uma reedição da AD que a determinado momento pareceu impossível de se concretizar) e um Governo (inédito) do PS com o apoio dos partidos à sua esquerda. O que o sistema político mostrou nos últimos anos é que os partidos conseguem entender-se e que o eleitorado gosta disso (voltou a votar em Passos Coelho e deu um voto de confiança a Costa nas últimas eleições como este pediu). Parece não haver dúvidas sobre isso.

Nestas europeias de Maio, o “centrão” teve 55,2% dos votos e o PSD ficou abaixo dos 17% em seis distritos: Lisboa, Setúbal, Faro, Évora, Beja e Portalegre. Viseu, que já chegou a ser o “Cavaquistão”, ficou-se pelos 21,9%. Os mais directos responsáveis por estes resultados (os líderes locais) remeteram-se ao silêncio. Alguns são também deputados e, já se sabe, às vezes, principalmente em vésperas de elaboração de listas de candidatos à Assembleia da República, a mudez torna-se moda.

E o que aconteceu? Um dos vencedores das europeias, o PS, marca quatro convenções a pensar nas legislativas e ajusta o foco nas alterações climáticas, desafio demográfico, sociedade digital e combate às desigualdades. Um dos perdedores, o PCP, lambe as feridas e avisa que vai bater-se pelo aumento do salário mínimo para 850 euros, a gratuitidade de manuais escolares no ensino obrigatório e a redução de propinas no superior.

Rui Rio, por seu lado, não se cansa de repetir que há “uma crise de regime”. Fala de descentralização, reforma da justiça e redução do número de deputados, tudo matérias que só podem avançar com os votos dos dois maiores partidos - aquele “centrão” que se está a erodir à vista de todos. Pelo meio, recua de forma envergonhada no ímpeto de criar uma nova carreira para os profissionais de saúde (os técnicos de diagnóstico) e admite que o PSD possa perder ainda por mais nas próximas eleições.

Basicamente, o líder do partido quer fazer muitas reformas mas não se importa de perder eleições. Esta semana, numa conferência do American Club, Rui Rio admitiu ser visto muitas vezes como “um ET que vem lá do Norte”. Parece-me mais que esta direcção do PSD é um gigante OVNI.

Rio acredita que pode perder as eleições e que, mesmo assim, tem condições para continuar à frente do partido, sentado agora no hemiciclo de S. Bento, falando directamente para António Costa. Já percebeu que, ganhando com maioria relativa, o PS não fará acordos escritos para continuar a governar - “as posições conjuntas” assinadas com PCP, BE e Os Verdes foram uma imposição do então Presidente da República, Cavaco Silva. Costa pode até optar pela geometria variável, imitando Guterres nos anos 90. E Rio acha que, tal como Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins, pode com tranquilidade liderar o seu partido para negociar quando for preciso com o PS. É isso que nos tem dito nos últimos dias. Na cabeça de Rio, a ambição do PSD é ter o mesmo papel que o PCP ou o BE. Haverá algo mais estranho do que isto?

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