O silêncio

O silêncio de uma casa vazia é diferente do silêncio de uma viagem de comboio. O silêncio do deserto é diferente do silêncio do mar. O silêncio de uma perda não é o silêncio de um primeiro encontro.

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Adeolu Eletu/Unsplash

Para alguns, é algo que mete medo. Para todos, é algo que é urgente trabalhar. Trabalhar o silêncio, aprender a saber lidar com ele, respeitá-lo, recebê-lo. Para barulhenta, já basta a vida em si — e diria até que há silêncios de um barulho que não se pode, mas é preciso encontrá-los. 

Há quem o tema por inteiro e não possa com ele. Desde que acorda até que se deita, há gente a evitá-lo. Não é só um, são vários. O silêncio de uma casa vazia é diferente do silêncio de uma viagem de comboio. O silêncio do deserto é diferente do silêncio do mar. O silêncio de uma perda não é o silêncio de um primeiro encontro. No entanto, não há silêncio que chegue para o que se tem na cabeça. Na cabeça cabe-nos muita coisa: o trabalho, a carga emocional de uma relação que termina, a preocupação da estabilidade familiar, as melhores notas, o melhor emprego ou as férias de Verão. As pressas e outros enganos. O silêncio fica para depois, quando deve ser prioridade. O nada é tão ou mais importante do que o tudo. 

O silêncio resolve o interior, os conflitos e as decisões. Há quem não o tolere e não saiba conviver com ele, há quem não o procure simplesmente. Há quem olhe para ele como perda de tempo e algo onde se desperdiça tudo, não sabendo que, encontrando-o, só se ganha. Silêncio não é reflexão. Ou, por outra, não é só reflexão. Silêncio é reencontro. Silêncio é compromisso e intimidade. 

E todos nós precisamos de um momento, uma pausa, uma viagem de segundos, uma ida ao absoluto, um passeio pelo vazio, esvaziar. O stress, o burnout, o desespero são falta de silêncio. 

Costumo encontrá-lo quando viajo, quando vou à janela, quando toco no mar, quando chego a casa. Esta procura não tem de ser um caminho solitário. Já estive com pessoas num fim de tarde ou noite onde nada se disse, porque nada havia para dizer. Achamos que, por haver proximidade, por haver contacto, por haver combinações, temos que falar. E falamos muito. Hoje dizemos tanta coisa. Achamos que falar é obrigatório, quando o silêncio nos ensina o contrário, sem obrigações. O silêncio é outra forma de viajar, o silêncio é outra forma de sentir e entender ou outra forma de perguntar.

Não é preciso inventar muito. Sair do escritório por dois minutos para sentir um pouco do Sol na cara, beber um café ou dar uma volta ao quarteirão poderá bastar. Não fazê-lo, poderá custar. 

O caminho de casa para o trabalho é suficiente para pôr a cabeça em ordem. Uma ida à praia chega para esvaziar. E como andamos todos cheios… Cheios de azar, cheios de gente, cheios de trabalho, cheios de sono, cheios de medo. Ir à procura do silêncio é uma viagem com regresso certo e saudável, sem medos. 

Sabes quando ouves uma música ao vivo, onde dás conta da importância de cada instrumento para o seu todo, onde sentes que cada um tem a sua função, a sua importância? Da bateria ao baixo, do saxofone à guitarra, da voz às teclas, tudo combina, tudo faz sentido. E depois da última nota, a última de todas, aquela com que termina a canção. Entre a última nota e o aplauso, um espaço de silêncio. Esse silêncio entre o que se ouviu e o que se vai fazer ouvir. Entre a última nota e o aplauso, está o silêncio de que precisamos no dia-a-dia. 

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