Polícia federal faz rusga em canal público australiano

As autoridades dizem que uma notícia publicada em 2017 sobre operações militares no Afeganistão ameaçou a segurança nacional. Foi o segundo mandado de busca contra jornalistas em dois dias.

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Os agentes federais vasculharam a redacção da ABC à procura de documentos comprometedores LUSA/DAVID GRAY

A Polícia Federal Australiana fez esta quarta-feira buscas no canal público de televisão australiano, ABC, por, em 2017, ter feito notícias sobre operações clandestinas das forças especiais no Afeganistão. No dia anterior, as autoridades entraram na casa de uma directora da News Corps por esta ter publicado, em 2018, artigos sobre o desenvolvimento de capacidades de vigilância dos serviços secretos do país.

Os dois casos não parecem estar relacionados, mas o momento e a forma como as autoridades procederam estão a levantar preocupações sobre a liberdade de imprensa no país. Os jornalistas australianos, diz a Reuters, receiam que a segurança nacional esteja a ser usada para legitimar restrições a notícias que põem o Estado em causa.

“Este é um acontecimento sério e levanta preocupações legítimas sobre a liberdade de imprensa e o escrutínio público de assuntos de segurança nacional e defesa”, reagiu o director-geral da ABC, David Anderson, em comunicado, garantindo que o canal público “defende os seus jornalistas, protegerá as suas fontes e continuará a relatar sem medos ou favorecimentos”.

“Este é um mau, triste e perigoso dia para um país onde sempre valorizámos a liberdade de imprensa”, reagiu John Lyons, editor de investigação da ABC, no Twitter.

Por sua vez, a Polícia Federal revelou que está a investigar “alegações de publicação de material confidencial, contrárias à Lei do Crime” e com potencial para prejudicar a segurança nacional. “Não estão planeadas quaisquer detenções, hoje, como resultado desta actividade”, garantiu a agência federal, sublinhando que as buscas à ABC não estão relacionada com o dia anterior.

Das rusgas ao embate político

A polémica não demorou muito a ultrapassar as questões judiciais e de liberdade de imprensa e a entrar no combate político. “As pessoas têm o direito de saber se o Governo tem propostas para interferir na sua privacidade de uma forma que acredito que os australianos deveriam ter uma palavra a dizer, ou pelo menos conhecimento”, criticou o líder da oposição, Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, referindo que o executivo tem “questões a responder” sobre as rusgas. “Acharia extraordinário que ninguém no Governo soubesse disto”. 

O Governo australiano, liderado pelo conservador Scott Morrison, foi reeleito para um terceiro mandato a 18 de Maio, contra todas as expectativas. O líder da oposição deixou dúvidas no ar por os mandados terem sido executados pouco depois de os australianos terem ido às urnas. 

No ano passado, o presidente da ABC, Justin Milne, e o Governo de Morrison tinham entrado em choque, com o primeiro a demitir-se por suspeita de interferências políticas na independência dos meios de comunicação social. "Há claramente muita pressão sobre a organização e, como sempre, o meu interesse tem sido o de proteger a empresa”, afirmou na altura Milne numa entrevista emitida pelo canal público. O Governo negou qualquer pressão política. 

Com as críticas de Albanese, o secretário dos Assuntos Internos, Peter Dutton, viu-se obrigado a responder garantindo não ter “qualquer envolvimento na investigação da Polícia Federal” e que apenas foi informado após a execução dos dois mandados de busca. “A Polícia Federal tem um importante trabalho a desempenhar e é totalmente apropriado que conduza de forma independente as suas investigações, e, de facto, é a sua obrigação”, afirmou o governante.

Qualquer mandado de busca considerado politicamente sensível deve, explica a Reuters, ser autorizado pelo secretário dos Assuntos Internos, de acordo com o guião disponível no site da Polícia Federal Australiana.

Dutton exigiu ainda que o líder da oposição se desculpasse pelos seus comentários ou que avançasse com provas de qualquer ilegalidade por parte da Polícia Federal. “Se o senhor Albanese tem qualquer prova de transgressões da Polícia Federal, deve apresentá-las em pormenor. Caso contrário, deve desculpar-se de imediato pelos seus comentários sobre os agentes”.

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