Solos contaminados: um perigo silencioso
Portugal precisa, com urgência, de um regime jurídico que responda aos desafios e ameaças crescentes ao solo, em particular aos riscos de contaminação é às soluções de remediação.
Os solos contaminados são um perigo silencioso, com implicações diretas nos lençóis freáticos – com a consequente contaminação dos recursos hídricos – e com impactos na qualidade do ar, o que configura um grave problema para a saúde pública e para o ambiente.
Há claramente uma correlação directa entre solo, água e alimentação e, neste contexto, é fundamental salientar que é a própria cadeia alimentar que está em causa, com a contaminação de solos. Quase 60% dos melhores solos agrícolas em 11 países europeus contêm resíduos de diversos pesticidas persistentes. Nesse sentido, a FAO lançou um alerta, em dezembro do ano passado, referindo que é necessário adotar medidas urgentes para abordar a contaminação do solo e conter as múltiplas ameaças que representa para a segurança alimentar global, uma vez que cerca de “33% de todos os solos mundiais estão degradados e num estado de crescente degradação em ritmo alarmante”, e as atividades humanas são a principal fonte de contaminação do solo.
Em Portugal, a disposição relativa a solos está dispersa por vários instrumentos legislativos – como o Regime Geral da Gestão de Resíduos, o Regime das Emissões Industriais, o regime jurídico da Responsabilidade por Danos Ambientais ou o regime de Avaliação dos Impactes Ambientais –, o que dificulta e limita a sua aplicação.
O projeto legislativo relativo à Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos (PRoSolos) – cujo processo de consulta pública terminou há três anos – representa um claro passo em frente, ao definir os procedimentos para a avaliação do solo e para a sua remediação, bem como a articulação com outros regimes. Sabemos que sem estratégia comum para o solo, sem definições harmonizadas, valores de referência para contaminantes, metodologias para avaliação da contaminação, regras que definam as obrigações, responsabilidade pela remediação e monitorização dos locais contaminados, não é possível proteger este recurso natural finito tão ameaçado.
Considera-se, por isso, fundamental que Portugal adopte uma legislação eficiente sobre contaminação de solos e que seja elaborado e publicado o Atlas da Qualidade do Solos – Portugal não tem quaisquer dados disponíveis sobre locais contaminados no Atlas da Agência Europeia de Ambiente e nos dados do Joint Research Centre (JRC) da Comissão Europeia – para identificar os locais contaminados e sujeitos a operação de remediação. Ao mesmo tempo, é imperativo que haja uma efetiva e tangível fiscalização, e que os instrumentos financeiros públicos sejam, em definitivo, capazes de responder ao avultado volume de investimentos que é necessário realizar.
Importa relembrar que Portugal foi um dos oito Estados-membros da União Europeia que foi alvo de uma auditoria do Tribunal de Contas Europeu, da qual resultou o relatório, divulgado em dezembro de 2018, no qual este tribunal recomendou que a Comissão Europeia avalie a necessidade de reforçar o quadro jurídico da União Europeia face ao crescente risco da degradação dos solos na UE.
Já em Portugal, estudos realizados pela Universidade de Aveiro identificaram cerca de 2000 sítios contaminados, ao qual acresce também um outro estudo técnico realizado sobre os locais contaminados nas áreas protegidas. Temos ainda de considerar as minas abandonadas e os grandes passivos industriais.
É lamentável que o PRoSolos não tenha sido acompanhado de uma perspetiva dos investimentos que é necessário realizar nos passivos ambientais e nos locais contaminados. Temos tão só dados de há 15 anos, portanto de 2004 – que revelam uma necessidade de investimento de cerca 500 milhões a mil milhões de euros para a sua requalificação e reabilitação, segundo dados do Governo de então.
Esta é uma lacuna de conhecimento grave, que a AEPSA gostaria de salientar e que urge suprir, para não termos operações atomistas. Trata-se de um problema, mas é também uma oportunidade de negócios para as empresas portuguesas que, nesta área, detêm uma competência técnica e tecnológica excecional.
A inexistência de regulamentação adequada sobre esta matéria, nomeadamente no que toca à transmissão de propriedade de terrenos onde existiram actividades industriais potencialmente contaminantes dos solos, pode levar a uma irregular classificação e gestão dos solos contaminados.
Portugal é dos poucos países da União Europeia que ainda não adotou orientação legislativa sobre solos contaminados e também não dispõe de qualquer cartografia, ou mapeamento, de áreas contaminadas.
A contaminação dos solos é – sem equívocos ou desculpas – um grave problema na Europa e no nosso País. Portugal assume, a 1 de janeiro de 2021, a sua quarta presidência do Conselho Europeu e a AEPSA considera relevante que o Programa e as Orientações Estratégicas da Presidência Portuguesa tenham a ambição de incluir como um ponto-chave a proteção do solo e, em particular, as questões relacionadas com os problemas de contaminação.
Este ano, a AEPSA reforçou o seu posicionamento no sector do ambiente e alterou os seus estatutos para incluir, expressamente, a questão da contaminação dos solos, passando a integrar este tema no foco das suas áreas de intervenção prioritárias, no contexto da economia circular, e no quadro de cooperação entre entidades públicas e privadas, numa ótica não apenas do mercado nacional, mas também numa perspetiva de internacionalização das suas competências e tecnologia.
Há vários anos que a AEPSA tem vindo a alertar para a imperatividade da publicação de legislação sobre contaminação e remediação de solos e da inventariação dos solos contaminados. Aliás, a Assembleia da República aprovou, em março, uma Recomendação ao Governo que legisle sobre a prevenção da contaminação e remediação dos solos.
No debate sobre Legislação sobre Solos Contaminados coorganizado pela AEPSA, APA e Zero – realizado em 22 de maio –, a APA anunciou que o PRoSolos e o Atlas da Qualidade do Solo seriam aprovados no Conselho de Ministros de 6 de junho, o que muito nos congratula.
Portugal precisa, com urgência, de um regime jurídico que responda aos desafios e ameaças crescentes ao solo, em particular aos riscos de contaminação é às soluções de remediação. É, por isso, com a maior expectativa que a AEPSA aguarda a aprovação desta legislação.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico