Quase 80% dos diplomatas a favor de criação de embaixadores temáticos

Os embaixadores para temas especiais são uma nova tendência da diplomacia. Observatório da Universidade Autónoma propõe criação de embaixadores temáticos para energia, mar, alterações climáticas, migrações, ciberespaço e árctico.

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Palácio das Necessidades, sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros Daniel Rocha

Quase 80% dos diplomatas portugueses são a favor da criação de embaixadores temáticos, revela um inquérito sobre diplomacia que será divulgado esta quarta-feira pelo Observatório de Relações Exteriores da Universidade Autónoma de Lisboa.

O inquérito, feito em Junho de 2018 com a ajuda do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi enviado aos 400 diplomatas de Portugal, dos quais 109 responderam. Da amostra, só 18,7% disseram ser contra a ideia dos embaixadores temáticos.

O Estudo da Estrutura Diplomática Portuguesa foi coordenado por Luís Moita, Luís Valença Pinto e Paula Pereira e vai ser apresentado por Eduardo Paz Ferreira esta quarta-feira, às 19h, na Sala dos Actos, na Autónoma. O ministro Augusto Santos Silva fará uma intervenção.

A equipa do Observare propõe a criação de embaixadores temáticos, com mandatos pontuais ou permanentes, como forma “inovadora” para dar resposta aos problemas dos “novos tempos”. Não é o “modelo Angelina Jolie”, avisam os coordenadores, referindo-se à actriz que é “embaixadora” do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Mas sim de “verdadeiros representantes dos Estados com funções de soberania”.

Os “embaixadores itinerantes temáticos” seriam encarregados de “missões especiais” ligadas a temas transversais de interesse estratégico, cujo acompanhamento supõe elevada tecnicidade, e teriam uma representação “não territorializada”.

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O estudo dá exemplos actuais desta nova tendência da diplomacia. A França terá 18 “embaixadores itinerantes” (para a memória histórica, clima, sida, terrorismo, etc); a Espanha cinco (diálogo das civilizações; cibersegurança; direitos humanos, democracia e Estado de Direito; Sael e migrações; e igualdade de género); a Dinamarca tem um para a ciência e tecnologia destacado para Sillicon Valley, na Califórnia; Taiwan tem um para o combate ao tráfico humano; e a Bolívia para o mar.

Como hipóteses para a diplomacia portuguesa, o Observare propõe embaixadores temáticos para a energia; oceanos e mar; alterações climáticas; migrações; ciberespaço e árctico.

Em Portugal, a tradição é “escassa”, diz o estudo. No século XX, só houve três: José Fernandes Fafe, embaixador para a língua portuguesa; Vítor Alves, embaixador junto das comunidades portuguesas no mundo; e Pires de Miranda, para assuntos do petróleo. Desde 2000, só há um: Luís Barreira de Sousa, embaixador para a cibersegurança.

O estudo propõe também uma estratégia de concentração da estrutura diplomática de Portugal, na qual algumas representações seriam “embaixadas radiais ou regionais ou hubs diplomáticos”, seguindo outra “nova tendência” — a criação de “embaixadas regionais”.

No ensaio Clusters e hubs: novas ideias para o serviço diplomático, Enrique Fanjul diz que “vários países já começaram a organizar as suas embaixadas numa perspectiva ‘regional’” e alguns diplomatas entrevistados pelo observatório sugeriram soluções desse tipo. E se Estocolmo fosse o “hub diplomático da região”? “É uma ideia controversa”, disse ao PÚBLICO Luís Moita, director do departamento de Relações Internacionais da Autónoma. “É difícil aceitar a ideia de embaixada radial quando Portugal não aceita que os outros países se façam representar a partir das suas embaixadas de Madrid. Para muitos diplomatas, é uma questão de honra.”

As embaixadas radiais exigem “um novo estilo de organização e funcionamento”, pressupõem “uma acção vasta” e uma equipa de diplomatas com mobilidade, versatilidade e conectividade. “Não deveria reproduzir, sem mais, o modelo de embaixada tradicional”, diz o estudo. Aliás, a opção por embaixadas radiais implicaria encerrar as actuais embaixadas bilaterais.

O observatório dá 19 hipóteses de possíveis embaixadas radiais para a rede diplomática portuguesa, como a Região Nórdico-Báltica (sede em Estocolmo, com representação na Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Estónia, Letónia e Lituânia, e com “uma agenda que, para além dos objectivos políticos habituais, identificasse áreas temáticas ligadas aos interesses portugueses na região, como os estudos oceanográficos, a pesca nas águas frias do Atlântico norte e a navegação na zona árctica); a Região Centro-Europeia (em Viena, onde está a sede da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e organismos especializados da ONU, e cobrindo a Áustria, Hungria, Eslováquia e República Checa); a Região Balcânica (em Belgrado, cobrindo a Sérvia, Eslovénia, Bósnia-Herzegovina, Kosovo, Montenegro e Macedónia do Norte); a Região de África Oriental (em Adis Abeba, onde está a sede da União Africana, e cobrindo a Etiópia, Somália, Quénia, Eritreia, Djibuti e Sudão do Sul, com funções de observador na UA); a Região do Médio Oriente (no Cairo, onde está a sede da Liga Árabe, e que cobriria Egipto, Líbia, Tunísia, Sudão e Líbano); a Região Centro-Asiática (com sede em Astana, cobrindo Cazaquistão, Quirguizistão, Tajiquistão, Turquemenistão e Uzbequistão), e a Região Centro-Oriental (em Banguecoque, abrangendo Tailândia, Camboja, Laos, Malásia, Myanmar, Brunei, Filipinas e a ASEAN).

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