Falta de força da CDU em Setúbal? 2019 não foi mau, 2014 é que foi fora de série

A análise da Direcção da Organização Regional de Setúbal do PCP aos resultados no distrito mais vermelho do país recusa a ideia de hecatombe. Nas europeias, dois eleitos é “garantia sólida”.

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O cabeça de lista da CDU para as eleições europeias 2019, João Ferreira, durante a arruada nas ruas da Baixa da Banheira, Setubal LUSA/ANDRÉ KOSTERS

A quebra da CDU no distrito de Setúbal de 29% para 17,1% (quase metade) nos resultados das europeias, com a perda de 30 mil votos (de 74 mil para 44 mil), não é estrutural nem tão má quanto parece. Esta é a conclusão geral que se retira da análise feita pela Direcção da Organização Regional de Setúbal (DORS) aos resultados da votação de domingo passado.

A diferença de votos relativamente a 2014 é explicada pelo partido com a excepcionalidade da conjuntura política da altura em que Portugal estava sob intervenção internacional e com os efeitos eleitorais das medidas de austeridade da troika. “A comparação com o resultado obtido em 2014 não pode ser feita sem se ter em conta o quadro de uma conjuntura marcada pela aplicação do Pacto de Agressão, período em que a percepção do papel e consequências das imposições da União Europeia sobre o país se faziam sentir de forma mais nítida” refere a DORS. Os números das eleições dos últimos 15 anos, acrescenta, sustentam esta teoria.

Em todas as europeias desde 2004, a CDU elegeu dois eurodeputados, à excepção de 2014, quando subiu substancialmente e chegou ao terceiro deputado no Parlamento Europeu. Nessas eleições, os comunistas subiram quase quatro pontos percentuais, para os 29,04% dos votos do distrito quando em 2009 tinham registado 25,6% e já com ligeira subida relativamente a 2004 em que o resultado foi 24,9%.

Os resultados das autárquicas admitem essa ideia de que os comunistas foram eleitoralmente beneficiados pelos efeitos da austeridade. A CDU, que em 2009 já só tinha nove em 13 presidências de câmaras municipais no distrito, reforçou fortemente a hegemonia regional em 2013, conquistando 11 municípios. A subida da coligação PCP-PEV nesse ano foi a grande surpresa da noite eleitoral e quase limpou o PS do mapa autárquico. Os socialistas seguraram apenas dois concelhos, Sines e Montijo, e neste por uma escassa vantagem de 400 votos.

Esse surpreendente crescimento eleitoral da CDU foi explicado, na altura, pelos efeitos da conjuntura nacional nos dois maiores partidos. Nas autárquicas de 2013, no distrito de Setúbal, o PS baixou quase 2% e o PSD caiu quase 3%.

Entrada em cena da “geringonça"

Assim que o ciclo nacional mudou, com o fim do resgate internacional e a entrada em cena do Governo PS, a performance eleitoral da CDU ressentiu-se logo nas autárquicas seguintes, em 2017, em que os ventos de mudança varreram o distrito, deixando apenas oito municípios aos comunistas, e quase todos sem maioria absoluta, com o PS a conquistar cinco câmaras.

Apesar deste “efeito Costa”, a CDU não inclui a participação na “geringonça” entre as causas do desaire eleitoral nas europeias de há uma semana. O apoio parlamentar aos governos minoritários do PS é apontado por críticos internos como o grande problema, mas, sobre isso, a análise da DORS nada refere.

O que a organização regional identifica também como causa da perda de votos é a “campanha difamatória” que “deturpou” e “silenciou” a acção e a campanha da CDU, ao mesmo tempo que “promoveu” outras forças políticas.

O texto da DORS não atribui expressamente essa campanha, “descarada” e de “animação de preconceitos”, à comunicação social, mas é isso que o PCP entende, como se percebe das conclusões da reunião pós-eleitoral do comité central e, por exemplo, das declarações do histórico deputado comunista António Filipe na SIC, na última quinta-feira.

Por detrás desta “campanha de difamação”, os comunistas de Setúbal identificam os “sectores mais reaccionários do capital monopolista”, a tentarem contrariar o “papel da CDU como obstáculo” aos seus planos de “aumento da exploração dos trabalhadores, liquidação de direitos e de submissão do país, e mesmo da subversão da democracia”.

A apreciação comunista considera que a eleição de dois deputados para o Parlamento Europeu é uma “garantia sólida” e destaca que a CDU é “a segunda força mais votada na região” com 17,14%.

A DORS não o refere, mas os números mostram que o distrito vermelho continua a ser o território que dá mais cor à coligação PCP-PEV em todo o país e que este peso relativo aumentou no domingo. Nas europeias de 2009 e 2014, Setúbal representava 18% do total de votos na CDU em todo o país. Essa percentagem aumentou este ano para 19,5% do total nacional.

Legislativas serão teste “central”

Com esta perspectiva de que a quebra eleitoral foi conjuntural, a CDU atira melhores conclusões para as próximas eleições: as legislativas são centrais para o partido.

“A DORS do PCP sublinha que é o reforço da CDU nas eleições legislativas de Outubro a condição central para que o que foi conquistado com a luta e a persistente acção do PCP e do PEV não ande para trás, e para que se avance na defesa, reposição e conquista de direitos e rendimentos”, conclui a análise feita pelo partido em Setúbal, complementada pelas declarações de Margarida Botelho, ao PÚBLICO.

A dirigente comunista, membro da comissão política, diz que o crescimento eleitoral da CDU nas legislativas é a “condição central para que o que foi conquistado com a luta e a persistente acção do PCP e do PEV, como passes mais baratos, manuais escolares gratuitos, reposição de direitos, salários e rendimentos, entre outros, não ande para trás”.

A responsável afirma que “muitas destas medidas” foram “insistentemente” propostas pelos comunistas e até “muitas vezes contra a opinião inicial do PS”, pelo que “a garantia mais sólida de que não se anda para trás no que foi alcançado é ter na Assembleia da República uma CDU reforçada, que continue a puxar pelo avanço do país”.

Para voltar a crescer, os comunistas indicam a vontade de reforçar a contestação social. “A DORS do PCP aponta a necessidade do desenvolvimento da luta reivindicativa nas empresas e nos locais de trabalho na região”, refere a organização regional do partido.

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