Marcelo, candidato a líder da oposição

O equilíbrio é uma arte complicada. O que fará o Presidente se o PS ganhar com maioria absoluta? Assumir-se-á como força de bloqueio?

“Há um claro sinal de crise no centro-direita português. Em vez de dois partidos, [há] quatro, cinco ou seis, apesar de alguns serem muito pequenos. Uma crise interna no mais importante partido do centro-direita (...) Eu diria que existe uma forte possibilidade de haver uma crise na direita portuguesa nos próximos anos, para ser muito realista. Isto explica por que é que o balanço do poder é como é, e um pouco por que é que o Presidente, pelo menos de momento, é importante para equilibrar o poder. Vindo da direita e com um Governo fortemente centro-esquerda e uma fraca oposição de direita... cabe ao Presidente (...) sinto que tem de haver um equilíbrio no nosso sistema político.”

Não, estas afirmações não foram de comentador, porque, mesmo que tenham sido em inglês, Marcelo Rebelo de Sousa é hoje aquilo para que foi eleito, Presidente da República. E mesmo que à saída da Fundação Luso-Americana de Desenvolvimento, no interior da qual proferiu as frases, e já de regresso à língua pátria, tenha tentado reverter um pouco as declarações, as palavras continuaram a ressoar até chegarem aos ouvidos de Rui Rio.

E Rui Rio percebeu bem, mesmo que em reacção tenha contrariado aquilo que o Presidente tinha acabado de fazer: oficializar a crise à direita, em consequência dos resultados das europeias e de uma previsão negra das legislativas. Mas o Presidente vai bem mais longe, ao considerar que lhe cabe, a ele, o papel que seria atribuível à oposição. Para além do atestado de irrelevância para o PSD e CDS-PP, ele sacrifica o seu papel de árbitro em favor da defesa da sua área política de origem.

Porque uma coisa é Marcelo pensar isto ou um analista olhar para a actuação do Presidente e considerar que ele procura um equilíbrio ao centro que pode ser benéfico para os consensos necessários ao regime. Outra coisa é ele usar o poder presidencial da palavra para se definir claramente de um lado. Verbalizando, Marcelo quebra o encanto e os que estão do “outro lado” têm todo o direito de não ver nas suas acções a virtuosa procura de equilíbrio, mas o descarado favorecimento da sua família política.

Até porque o equilíbrio é uma arte complicada. O que fará o Presidente se o PS ganhar com maioria absoluta? Assumir-se-á como força de bloqueio? E se os portugueses dessem maioria ao PCP ou ao BE? Dissolvia a Assembleia da República porque o país não se podia desequilibrar tanto à esquerda?

Falta acrescentar que o putativo apoio do PS a Marcelo, no caso de recandidatura, parece entrar por um caminho esconso. Irá António Costa pedir aos socialistas que apoiem quem parece tão disposto a substituir o PSD no seu papel de oposição?

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