A Europa fabrica mais caixões do que berços

Numa só geração a Europa ficará irreconhecível e caminha para o que alguém já designou de suicídio demográfico.

A Europa apresenta a maior perda de população da história moderna. A Alemanha já tem a menor taxa de natalidade do mundo. Nas últimas seis décadas, a população da Ásia triplicou. Até 2050, a população africana mais do que duplicará; na América Latina esse aumento será de 25%; no Norte de África de 59%; e, na Índia de 25%. Em 1950, a população da Europa era a tripla da África Subsaariana, mas em 2100 os africanos dessa região serão cinco vezes mais que os europeus.

No final do presente século, a União Europeia apenas representará 4% da população mundial e com um enorme declínio da população ativa. Na União Europeia, por cada pessoa com mais de 65 anos há 3,8 jovens. Em 2060 para cada pessoa com mais de 65 anos existirá apenas 1,8 jovens, ou seja, menos de metade! Até 2050 a União Europeia irá perder 50 milhões de habitantes em idade ativa.

A Europa é, de todos os continentes, aquele em que a idade média é a mais elevada, 38 anos. Em meados deste século essa média aumentará para 52 anos enquanto nos Estados Unidos será de 42 e em todos os outros continentes ainda será mais baixa.

Numa só geração a Europa ficará irreconhecível e caminha para o que alguém já designou de suicídio demográfico. E a palavra suicídio parece adequada porque, na Europa, também alguém já o disse, fabricam-se mais caixões do que berços. Há quem compare esta situação demográfica com a vivida durante a Peste Negra do século XIV.

Esta evolução tem consequências, desde logo no domínio económico. O decréscimo da força de trabalho representará uma diminuição do potencial de crescimento económico da Europa, ao mesmo tempo que aumentará a despesa com pensões, saúde e cuidados continuados.

A evolução demográfica na Europa vai também criar tensões entre Estados Membros. A Alemanha irá perder mais de 10 milhões de habitantes em idade ativa. Por isso, terá de procurar a mão-de-obra que necessita noutros países e na primeira opção estará naturalmente o nosso País. As consequências serão dramáticas, porque é sabido que, sendo a emigração um fenómeno seletivo, são sempre os mais capazes e dinâmicos os primeiros a partir, depauperando as regiões de origem do seu recurso mais precioso.

A Europa precisa de uma política que permita às pessoas ter o número de filhos que desejam, sem baixar o nível de vida. Mas não chega. É irrealista pensar que as pessoas vão voltar a ter quatro ou cinco filhos. Por isso, a Europa também necessita de uma política europeia de migrações. E essa política é urgente porque, só num ano, a população imigrante cresceu dois milhões de habitantes, enquanto a população autóctone da Europa foi encolhendo. A Europa precisa ainda de integrar melhor os estrangeiros que já estão na Europa e perceber o papel da escola na integração, porque é na escola que se faz a mistura que cria a tolerância.

Se a União Europeia andu em “palpos de aranha” quando, em 2015, um milhão de refugiados entrou no continente, percebemos que a imigração não é vista, por muita gente como um ativo, mas encarada como uma ameaça, o que tem feito crescer os fenómenos associados ao populismo e nacionalismo. Daí que o maior risco de todos é a Europa ter de conviver com um cenário assustador que mistura suicídio demográfico com xenofobia.

A Europa está mergulhada em várias problemas de grande dimensão e complexidade.

O envelhecimento na Europa é porventura o mais grave de todos, pelas consequências económicas, sociais e, sobretudo culturais, que consigo arrasta. Dado o nível de integração a que se chegou na construção do projeto europeu só uma solução concebida à escala europeia pode garantir a inversão da tendência, porque, neste como noutros casos, as soluções nacionais são ineficazes.

As consequências do envelhecimento na Europa só podem ser contrariadas se a Europa, como um todo, for capaz de encontrar um ponto de equilíbrio que permita garantir controlo, confiança, compromisso e estabilidade. 

Para já, os resultados das últimas eleições europeias até são encorajadores.

Nota: Este texto foi extraído da Conferência que o autor proferiu em Macau, em14 de Maio, por ocasião do XII Congresso Internacional das Misericórdias.  

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